quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Pensamento do Dia


Pensamento do Dia
Contra o dogma
por Eugénio Lisboa
 
Aquilo de que o mundo precisa não é de dogma, mas de uma atitude de investigação científica combinada com  uma crença de que a tortura de milhões de pessoas não é desejável, seja ela infligida por Staline ou por uma divindade imaginada à semelhança dos que nela acreditam.
 Bertrand Russell
 
“Esta salutar reflexão de Bertrand Russell, que teve o privilégio insigne – verdadeira medalha de mérito – de ter por inimigos jurados todos os fanáticos de direita e de esquerda, deve andar connosco, como guião lúcido, que nos ampare no pedregoso caminho da vida, por entre falsas utopias, sempre apoiadas em sinistras ameaças para governo dos recalcitrantes.
É curioso como, de cada vez que um regime totalitário ascende ao poder, elege logo, como seu principal inimigo, não o adversário da véspera (que pode rapidamente converter à “boa doutrina”), mas as personalidades independentes que, essas sim, são realmente “perigosas”. Assisti a isso, em Moçambique, quando a Frelimo ali subiu ao poder. Os jornais como o NOTÍCIAS, que, até aí, fora o promotor entusiasta do Estado Novo e da guerra colonial, não foram minimamente incomodados e a rapaziada fascista que os redigia, foi rapidamente reciclada, tornando-se entusiástica bajuladora do adversário da véspera (não hesitando, para mostrar serviço, em denunciar, como não suficientemente revolucionários, os corajosos resistentes à boa doutrina anterior…), Que eu saiba, o primeiro e talvez o único periódico que a Frelimo “fechou” foi A VOZ DE MOÇAMBIQUE, que tanto incomodara o Estado Novo. Considerou perigosa a sua independência – e, nisso, até tinha razão. Alguns dos mais antigos colaboradores desse periódico não se tornariam facilmente colaboracionistas, embora pudessem ser colaboradores críticos. Mas estes nunca interessam às ditaduras.
Nunca é demais reler mentes insubordinadas aos espartilhos ideológicos, os quais gostam de nos servir soluções fabricadas no conchego das cozinhas do Partido. Soluções que são para seguir obedientemente e não para serem escrutinadas.
Nada há tão parecido com as religiões organizadas como as ditaduras (de direita ou de esquerda), com o seu pensamento único, com a censura bem estabelecida, com a sua inquisição laica ou sagrada, com a sua polícia do pensamento e com as suas câmaras de tortura (e até, sendo necessário, com os seus pistoleiros a soldo).
Russell é uma lufada de ar fresco e, com o seu espírito lúcido e não hipotecado a utopias salvíficas, restitui-nos a uma fundamental decência humana. Vale sempre reeditá-lo e dá-lo a ler à juventude. É, além do mais, um admirável escritor, na linha da grande prosa de ouro inglesa: lúcida, transparente, destemida, não arrebicada.”
Eugénio Lisboa, 16.02.2022 

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