A filha da sereia
"Esta história foi contada:
Meu pai teve amores com uma sereia e eu deles nasci. Nunca
conheci mãe. Fui criada sem carinho e sem amor e tive a má ventura de nascer
com os pés soldados. Meu pai desapareceu com os remorsos da minha infelicidade
e eu, deixada a estranhos, conheci todos os amargores da vida.
Diziam que sabia cantar e era habilidosa, até me gabavam as mãos
e os olhos, mas nunca me amaram. Consumia a minha vida a chorar, a cantar e a
trabalhar. Cada vez era mais triste e à roda dos olhos criei círculos negros.
As minhas mãos pareciam de cera, nunca ria nem tinha esperanças. Sonhava muito,
só os sonhos me animavam. E de uma vez com tanta fé sonhei que o meu sonho se
realizou. Parece impossível? Mas não é, ides ouvir.
Eu tinha adormecido a pensar que havia de ser feliz. Não era um
pensamento certo, era cansaço de dor.
Fui fechando os olhos até que caí num sono profundo. Noite alta
sinto uma voz... chamava por mim e era tão terna como ainda nunca ouvi outra.
Desperto. Entra-me pela porta um grande resplendor de luz e no meio uma figura
linda a sorrir. Era ela que me falava. Trazia na mão uma bola de oiro que disse
ser o pomo da boa sorte. E que mo entregava... sobre ele havia eu de correr
mundo... que nunca parasse, os bons amantes me socorreriam.
Há tanto tempo! Corro, corro, corro. Tenho os pés colados ao
pomo...
A filha da sereia ia falando e o príncipe e a namorada ouviam-na
condoídos.
O príncipe desejava socorrê-la, sem saber como. A noiva coma as
mãos descaídas parecia ansiosa. Assim que a outra se calou baixou-se e
retirou-lhe o pomo dos pés, sem custo nenhum. A rir apresentou-o na palma da
mão.
A filha da sereia atónita deu um grito. Começou a andar e a
correr, voltou para trás, abraçou os namorados, chorou de gozo, abençoou-os e
disse que para todo o sempre os queria servir e amar.
A noiva com os olhos brilhantes continuava com o pomo na mão. O
noivo tomou-lho, por ela lho oferecia, e a filha da sereia ia dizendo:
Sêde felizes, bem o mereceis... a fada mo afirmou, sois os
perfeitos amantes..."
Irene Lisboa, 13
Contarelos que Irene escreveu e Ilda ilustrou, p. 68 a 71
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