Manuel
de Arriaga foi o primeiro Presidente da República eleito em
Portugal. A eleição realizou-se no Parlamento, três dias após a aprovação
da Constituição
de 1911.
Na sessão de dia 23 de agosto de 1911, é aprovado o programa do escrutínio, apresentado pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Anselmo Braamcamp Freire:
Na sessão de dia 23 de agosto de 1911, é aprovado o programa do escrutínio, apresentado pelo Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Anselmo Braamcamp Freire:
“Aberta a sessão, o Presidente anunciará ao Congresso que vai proceder-se à
eleição do Presidente da República e organizará a mesa da eleição com os dois
secretários permanentes e dois escrutinadores.
2.° Os Deputados conservar-se-ão nos seus lugares, e, à medida que forem sendo
chamados, responderão – presente – dirigindo-se à mesa da
presidência pela escada da direita, e entregando a lista ao Presidente, que a
lançará na urna. Os Deputados que tenham votado descerão pela escada da
esquerda.
3.° Concluída a primeira chamada, decorridos cinco minutos, proceder-se-á a
nova chamada e, finda esta, passar-se-á à contagem do número de votantes e das
listas entradas na urna.
4.° Se o número de listas conferir com o número de votantes, proceder-se-á ao
apuramento de votos; de contrário, proceder-se-á a nova eleição.
5.° Os nomes contidos nas listas serão lidos em voz alta e anunciado o número
de votos que cada um deles obtém.
6.° Terminado o apuramento, o Presidente anunciará os nomes dos candidatos
votados e o número de votos obtidos por cada um deles, e, seguindo o disposto
na Constituição, dirá quem é o eleito ou se tem de proceder-se a nova eleição.
7.° Proclamando o resultado definitivo, o Presidente do Congresso mandá-lo-á
anunciar ao candidato eleito, que sairá da sala, com todos os demais
candidatos, depois de ter votado, convidando-o a vir tomar o compromisso a que
se refere o artigo 43.° da Constituição.
8.° Qualquer membro do Congresso pode fazer observações à mesa, exclusivamente
sobre as operações eleitorais.
9.° Em relação aos indivíduos estranhos ao Congresso, observar-se-á
rigorosamente o disposto nos artigos 155.º e 156.° do Regimento, que dizem:
"Artigo 155.° O Presidente deverá advertir os espetadores quando nas
galerias houver algum rumor, se for dado algum sinal de aprovação e
desaprovação.
§ único. Se esta advertência não for suficiente, deverá o Presidente mandar
despejar a galeria ou galerias em que se houverem infringido as disposições
policiais deste Regimento.
Artigo 156.° Os empregados de polícia da Assembleia poderão prender em
flagrante delito a pessoa ou pessoas que, dentro do edifício respetivo,
cometerem qualquer desordem ou outro delito, e fá-los-ão conduzir à estação
policial competente, mais próxima, onde prestarão os esclarecimentos que
puderem servir de fundamento ao auto que ali se levantar, dando imediatamente
parte à mesa do que houver ocorrido".
Na sessão
de 24 de agosto, procede-se então ao escrutínio. O Presidente do
Parlamento, “agitando a campainha”, anuncia o resultado:
“Manuel de Arriaga – 121 votos
Bernardino Luis Machado Guimarães – 86 votos
Duarte Leite Pereira da Silva – 4 votos
Sebastião de Magalhães Lima – 1 votos
Alves da Veiga – 1 votos
Listas brancas – 4 votos
Está, portanto, eleito Presidente da República o Sr. Dr. Manuel de Arriaga.
Viva o Sr. Presidente da República Portuguesa!
Toda a Assembleia de pé corresponde unanimemente a este viva. Associando-se,
entusiasticamente, também, as galerias.
Salvas de palmas estrugem demoradamente por toda a sala, dando-se muitos e
repetidos vivas à República, à Pátria livre, à união do partido republicano, à
união republicana, etc., etc.
O Sr. Primeiro Secretário faz ondular por sobre a mesa da Presidência a
bandeira nacional.
Nesta altura, assume a presidência o Sr. Vice-Presidente, Sr. Augusto
Monjardino, enquanto o Sr. Presidente da Assembleia se dirige ao corredor dos
Passos Perdidos para trazer o Sr. Dr. Manuel de Arriaga, a fim de prestar o seu
compromisso.
(…)
Pouco depois, entra na sala, acompanhado do Sr. Presidente e vários outros Srs.
Deputados, o Sr. Presidente da República.
Uma grandiosa salva de palmas reboa por toda a sala, soltando-se vivas ao
Presidente da República e à República Portuguesa, correspondidos
entusiasticamente pelas galerias.
O Sr. Presidente da República, na Presidência, agradece comovido, agitando o
chapéu.
O Sr. Primeiro Secretário agita a bandeira nacional.
Faz-se silêncio.
O Sr. Presidente da República: – Lê o seguinte:
Compromisso
Afirmo solenemente pela minha honra, manter e cumprir com lealdade e fidelidade
a Constituição da República: observar as leis; promover o bem geral da Nação;
sustentar e defender a integridade e independência da Pátria Portuguesa.
Nova salva de palmas acolhe as últimas palavras proferidas pelo Sr. Presidente
da República.
O Sr. Presidente (agitando a campainha): – Peço silêncio.
Estabelece-se profundo silêncio na sala.
O Sr. Presidente da República Portuguesa (Manuel de Arriaga): – Meus
Senhores: esta Assembleia Nacional Constituinte acaba de depositar nas minhas
débeis mãos um tesouro quatro vezes precioso: o da Liberdade, em nome da qual
trataremos, com o auxílio de todos os que vierem em volta de nós, de eliminar
todos os privilégios que, sendo mantidos à custa da depressão e ofensa dos
nossos semelhantes, são para mim malditos.
Depositou, além da Liberdade, uma coisa sagrada acima de todas: a Honra da
Pátria.
Perante o estrangeiro e perante a nossa consciência, nós vamos honrar, com os
nossos sacrifícios, por uma solidariedade inevitável, uma triste herança – a do
passado, cheio de compromissos por culpas que não são nossas – encontraremos,
no entanto, na alma do povo, energias bastantes para nos redimirmos aos olhos
do mundo.
Nas virtudes democráticas buscaremos os elementos da nossa regeneração.
Não falemos mais nos erros dos contrários depois de os condenarmos, porque as
virtudes da democracia valem bastante para esquecermos os inimigos da Pátria.
Há outro tesouro, principalmente, precioso: o Povo Português – este tutelado de
séculos que está completamente desvalido, sem a luz da justiça moderna!...
É necessário acalentar aquelas almas, enriquecer e arrotear aqueles corações
perdidos para a Verdade, para a Justiça e para o Amor.
Este o objectivo mais dilecto do meu coração – os oprimidos.
Resta-me lembrar a simpática missão de chamar à conciliação, à paz, à ordem, à
harmonia social a família portuguesa, em nome da Liberdade, em nome da
República, em nome da nossa libérrima Constituição.
Segundo os princípios nela consignados, e sob a intervenção directa do povo soberano, deixarão de existir, como até agora, opressores e oprimidos; daí o
antagonismo irritante das classes ligadas pela fatalidade e pela força e não,
como de hoje em diante, pelo Amor e pela Justiça – cumpre-nos fazer do nosso
Estatuto a Cidade Santa do Direito Moderno; conseguir que este direito seja tão
invejado pelos nossos inimigos, como outrora o foram as cidades de Atenas e de
Roma.
Hão de vir para nós os que de nós fugiram. Em nome da Pátria e da Liberdade,
nós aqui estamos para os receber.
E, a vós, o tributo inalterável da minha gratidão, por confiardes num velho que
pouco vale, mas que poderá muito com o vosso auxílio.
Após estas palavras, toda a Assembleia solta vivas, frementes de entusiasmo,
ao Presidente da República, à Pátria, etc.
As galerias, com verdadeiro transporte, associam-se do mesmo modo, dando palmas
e correspondendo aos vivas.
O Sr. Presidente da República agradece da Presidência.”
A Ilustração Portuguesa, de 4 de Setembro de 1911, descreve os
momentos seguintes:
“Alguns vultos da democracia soltaram vivas à união do partido republicano e no
meio de uma trovoada de aplausos, um clamor de entusiasmo o chefe de Estado
apareceu ao povo.
Salvavam os navios de guerra, içavam-se nos mastros, festivamente, as
bandeiras; a artilharia troava e em terra o hino nacional ouvia-se, tocado
pelas bandas dos regimentos postados na Avenida das Cortes. Estralejavam
girandolas; um piquete de lanceiros chegava diante da Assembleia para escoltar
o automóvel onde o Presidente da República iria até ao Palácio de Belém, que
fica sendo a secretaria da presidência em vista do Parlamento não ter votado
uma morada oficial para o primeiro magistrado da República.”
Manuel José de Arriaga Brum da Silveira nasceu
na Horta (Açores) em 1840. Licenciou-se em Direito pela Universidade de Coimbra
e foi advogado, escritor e professor liceal de inglês.
Integrou o Directório do Partido Republicano em 1890-1893 e 1897-1898. Em 1882 e
1890, foi eleito deputado pela minoria republicana, destacando-se pelas
duras críticas às políticas vigentes.
Após a Revolução de 5 de Outubro de 1910, foi Reitor da Universidade de
Coimbra, Procurador-Geral da República e Deputado à Assembleia Nacional
Constituinte.
No seu mandato como Presidente da República (1911-1915), Manuel de Arriaga
procurou a conciliação de todas as forças políticas, tal como anunciado no seu
discurso de posse.
A situação social e política no país, com as dissidências dentro do Partido
Republicano, as incursões monárquicas e a eclosão da Grande Guerra perturbaram
os seus objectivos.
Em Janeiro de 1915, procurando a estabilidade política, nomeou o general
Pimenta de Castro como chefe de um governo supra-partidário de cariz ditatorial.
Quatro meses depois, a Revolução de 14 de Maio derrubaria a ditadura de Pimenta
de Castro, obrigando Manuel de Arriaga a renunciar ao mandato presidencial.
Morreu dois anos depois, em Lisboa, a 5 de Março de 1917, deixando um
testemunho da sua acção enquanto Presidente da República – Na primeira
Presidência da República portuguesa.
Em 2003, a Assembleia da República concedeu honras de Panteão Nacional a Manuel
de Arriaga (Resolução n.º 49/2003). A cerimónia
de homenagem e trasladação do antigo Presidente da República para
o Panteão teve lugar no dia 16 de Setembro de 2004. " Comunicar, Boletim da Assembleia da República, JAN-16
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