Peste… «E de cada vez que li
uma história de peste, do fundo de um coração envenenado pelas suas próprias
revoltas e pelas violências dos outros, um grito claro se ergueu dizendo que no
entanto havia nos homens mais coisas para admirar do que para desprezar.
(…) E a peste cada um a traz consigo, porque
ninguém, sim, ninguém no mundo, está imune. E é necessário vigiarmo-nos
constantemente para não sermos levados num minuto de distracção a respirar na
cara de alguém e a pegar-lhe a infecção. O que é natural é o micróbio. O resto,
a saúde, a integridade, a pureza, se preferirem, é um efeito da vontade, e de
uma vontade que nunca deve deixar de exercer-se. O homem honesto, o que não
infecta ninguém, é aquele que se distrai o menos possível.
Sim, é frequente ser-se um patife. Mas é ainda mais
fatigante não querer ser um patife. É por isso que toda a gente está fatigada
porque toda a gente o é um pouco. Mas é por isso também que alguns conhecem tão
fundo cansaço que só a morte os poderá libertar dele.»
Albert Camus, in Cadernos III, (Caderno nr. 5
1948/1951) Trad. António Ramos Rosa, Livros do Brasil, 1966
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