Todos os anos se celebra o novo ano. A esperança de mudança regurgita nessa data. Se atentarmos com alguma atenção, descobriremos que a chegada de um outro ano é marcada por gestos que, quase, se repetem ao longo do tempo. Há como que uma celebração instituída mundialmente. Todos poderemos invocar muitos exemplos. Optámos por mergulhar no acervo literário português para extrair uma entrada do magnífico Diário de Fernando Aires, um ilustre escritor açoriano.
P. Delgada / 1 Janeiro 90
"Início de outra década da História do mundo.
Sentimentos contraditórios agitam-me. Difícil defini-los.
A TV, como sempre, fez o relato no estilo do costume - dando a contagem dos segundos do ano que " morria" e anunciando o golo do ano novo que entrava na baliza do tempo. Tudo no estilo da página de desporto. E sempre a multidão gesticulante e gritante, das bancadas do estádio. E sempre o champagne a estalar. E os foguetes pelo ar. E a música a tocar... Uma grande festa.
Dão-se vivas ao ano que chega, porque sim. Porque é novidade. Porque todos dão. Porque é assim mesmo que se faz e já se fazia no tempo da vavó. E, já se vê, porque se acredita que o "novo" tempo que entra , com outra cara, com outro feitio, em se cumprindo os rituais da praxe com escrúpulo, pode dar fim aos dias nefastos e torná-los propícios.
Quanto a mim , foi mais um dia a somar aos outros todos que me têm engelhado a cara, e rareado os cabelos, e acrescentado o cansaço à longa luta que venho travando com o meu Anjo.
Quanto a mim , foi mais um dia a somar aos outros todos que me têm engelhado a cara, e rareado os cabelos, e acrescentado o cansaço à longa luta que venho travando com o meu Anjo.
Concerto do fim do ano pela Orquestra Filarmónica de Viena, na conhecida Sala Dourada. Soupé e os Strauss. Os bailarinos da ópera. As pessoas bem vestidas. Flores em arranjos requintados.
Por um momento, a visão da catedral de Santo Estêvão na sua agulha de espuma. A sensação de que para aqueles lados tudo está meticulosamente varrido, limpo, perfumado..."
Fernando Aires, in " Era uma vez o Tempo - Diário", Ed. Opera Omnia, Outubro 2015, p.280
E para que se repita o ritual, apresenta-se um registo de 1992, do New Year's Eve Concert, Richard Strauß Gala Berlim, Alemanha.
"Der Rosenkavalier, Final Trio" de Richard Strauss, com as belíssimas vozes de Kathleen Battle como Sophie; Frederica von Stade como Octavian e Renee Fleming como Marschallin e Andreas Schmidt com a Berliner Philharmoniker, conduzida pelo Maestro Claudio Abbado .
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