Albert Camus faz parte dos escritores que nunca me abandonam. Pertence ao grupo dos eleitos. A propósito dos dias que vivemos, recordei algumas afirmações que nos deixou e que revelam a profundidade e actualidade do seu pensamento.
DESESPERO:
"A primeira coisa é não desesperar. Não prestemos ouvidos demasiadamente
àqueles que gritam, anunciando o fim do mundo. As civilizações não morrem assim
tão facilmente; e mesmo que o mundo estivesse a ponto de vir abaixo, isso só
ocorreria depois de ruírem outros. É bem verdade que vivemos numa época
trágica. Contudo, muita gente, confunde o trágico com o desespero. 'O trágico',
dizia Lawrence, 'deveria ser uma espécie de grande pontapé dado na
infelicidade'. Eis um pensamento saudável e de aplicação imediata. Hoje em dia,
há muitas coisas que merecem esse pontapé." in "Núpcias"
DIÁLOGO:
"Não há vida sem diálogo. Mas o diálogo foi, hoje, na maior parte do
mundo, substituído pela polémica. O século XX é o século da polémica e do
insulto. Eles ocupam, entre as nações e os indivíduos, e mesmo ao nível das
disciplinas outrora desinteressadas, o lugar que tradicionalmente cabia ao
diálogo reflectido. Dia e noite, milhares de vozes, empenhadas, cada uma por seu
lado, num tumultuoso monólogo, lançam sobre os povos uma torrente de palavras
mistificadoras, de ataques, de defesas, de exaltações. Mas qual é o mecanismo
da polémica? Consiste em considerar o adversário como inimigo, por conseguinte
a simplificá-lo e a recusar vê-lo. Aquele que insulta, já não sei de que cor são
os seus olhos, ou se acaso sorri, e como o faz. Tornados quase cegos por obra e
graça da polémica, já não vivemos entre os homens, mas num mundo de
sombras." in "Actuais"
GLOBALIZAÇÃO:
"Sabemos hoje que não há ilhas, e que são vãs as fronteiras. Sabemos que,
num mundo em constante aceleração, quando o Atlântico se atravessa em menos de
um dia ou Moscovo contacta com Washington em poucas horas, estamos obrigados à
solidariedade ou à cumplicidade, segundo os casos. O pão fabricado na Europa vende-se
em Buenos Aires, e as máquinas que trabalham na Sibéria foram fabricadas em
Detroit. Hoje, a tragédia é colectiva. Sabemos pois todos, sem sombra de dúvida,
que a nova ordem que buscamos não pode ser somente nacional, ou sequer
continental, e muito menos ocidental ou oriental. Ela só pode ser
universal." in "Actuais"
HELENISMO:
"O mundo em que mais á vontade me sinto: o mito grego." in "Cadernos"
HONRA:
"De resto, como fazer compreender que uma criança pobre pode por vezes ter
vergonha sem nunca invejar coisa alguma?"in "O Primeiro Homem"
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