"Prémio Camões foi atribuído a Mia Couto, disse à Lusa a Secretaria de Estado da Cultura.Mia Couto é o vencedor
da 25.ª edição do prémio, que distingue um autor da literatura portuguesa. Nascido em 1955, na Beira, no seio de
uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto começou por estudar Medicina
na Universidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Integrou, na sua
juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo
português. A seguir à independência, na sequência do 25 de Abril de 1974,
interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações
como A Tribuna, Tempo e Notícias, e
também a Agência de Informação de Moçambique (AIM), de que foi director.Em meados da
década de 1980, regressa à Universidade para se formar em Biologia. Nessa
altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho."O livro
surgiu em 1983, numa altura em que a revolução de Moçambique estava em plena
pujança e todos nós tínhamos, de uma forma ou de outra, aderido à causa da
independência. E a escrita era muito dominada por essa urgência política de
mudar o mundo, de criar um homem e uma sociedade nova, tornou-se uma escrita
muito panfletária”, comentou Mia Couto em entrevista ao PÚBLICO (20/11/1999),
aquando da reedição daquele título pela Caminho.Em 1986 edita
o seu primeiro livro de crónicas, Vozes
Anoitecidas, que lhe valeu o prémio da Associação de Escritores
Moçambicanos. Mas é com o romance, e nomeadamente com o seu título de estreia
neste género, Terra Sonâmbula (1992),
que Mia Couto manifesta os primeiros sinais de “desobediência” ao padrão da
língua portuguesa, criando fórmulas vocabulares inspiradas da língua oral que
irão marcar a sua escrita e impôr o seu estilo muito próprio.
“Só quando
quis contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida
e a maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior
força poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí
umas brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse,
na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a
grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro,
da desobediência.”
Foi nesse
registo que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um
Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada
Terra (2002 – que o realizador José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao
grande ecrã), ou O Outro Pé da Sereia
(2006). A propósito dos seus últimos livros, A Confissão da Leoa (2012), mas particularmente Jesusalém (2009), o escritor confessou
algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida com a de um jogo de
linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões “novas” que neles
aparecem.
Paralelamente
aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu
sou da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua
carreira, foi também acumulando distinções, como os Prémios Vergílio Ferreira
(1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União
Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
O anúncio do
vencedor foi feito ontem, no Rio de Janeiro, onde o júri se reuniu.
O júri
integrou os escritores José Eduardo Agualusa e João Paulo Borges Coelho, o
jornalista José Carlos Vasconcelos, a catedrática Clara Crabbé Rocha, o crítico
Alcir Pécora e o embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras Alberto
da Costa e Silva.
A reunião
decorreu no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro,
Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Prémio criado
em 1988
O Prémio
Camões foi criado em 1988 por Portugal e pelo Brasil para distinguir um autor
de língua portuguesa que, "pelo valor intrínseco da sua obra, tenha
contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua
comum".
Em 2012 foi
atribuído ao escritor brasileiro Dalton Trevisan e no ano anterior ao escritor
português Manuel António Pina.
Ferreira
Gullar (2010), Arménio Vieira (2009), António Lobo Antunes (2007), Sophia de
Mello Breyner Andresen (1999), Pepetela (1997), José Saramago (1995) e Jorge
Amado (1994) também já foram distinguidos com o Prémio Camões que, na primeira
edição, reconheceu a obra de Miguel Torga.
Fundo do mar
Quero ver
o fundo do
mar
esse lugar
de onde se
desprendem as ondas
e se arrancam
os olhos aos
corais
e onde a
morte beija
o lívido
rosto dos afogados
Quero ver
esse lugar
onde se não
vê
para que
sem disfarce
a minha luz se revele
e nesse
mundo
descubra a
que mundo pertenço
Mia Couto, in “Raiz de Orvalho" (1983),Ed. Caminho
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