Não sei como dizer-te...
Não sei como
dizer-te que minha voz te procura
e a atenção
começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e
vasta.
Não sei o que
dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de
um brilho precioso
e estremeces
como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o
campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo
pressentir de um tempo distante,
e na terra
crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei
como dizer-te que cem ideias,
dentro de
mim, te procuram.
Quando as
folhas da melancolia arrefecem com astros
ao lado do
espaço
e o coração é
uma semente inventada
em seu escuro
fundo e em seu turbilhão de um dia,
tu arrebatas
os caminhos da minha solidão
como se toda
a casa ardesse pousada na noite.
— E então não
sei o que dizer
junto à taça
de pedra do teu tão jovem silêncio.
Quando as
crianças acordam nas luas espantadas
que às vezes
se despenham no meio do tempo
— não sei
como dizer-te que a pureza,
dentro de
mim, te procura.
Durante a
primavera inteira aprendo
os trevos, a
água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do
espaço —
e penso que
vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a
sombra cai da curva sôfrega
dos meus
lábios, sinto que me faltam
um girassol,
uma pedra, uma ave — qualquer
coisa
extraordinária.
Porque não
sei como dizer-te sem milagres
que dentro de
mim é o sol, o fruto,
a criança, a
água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te
procuram.
Herberto
Hélder, in poema «Tríptico», publicado em” A Colher na
Boca”, Ed. Ática, 1961
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