O escritor colombiano
Gabriel Garcia Márquez não vai voltar a escrever, depois de ter sido
diagnosticado com demência. O anúncio foi feito pelo irmão do escritor, Jaime
Garcia Marquez, numa conferência em Cartagena das Índias, Colômbia ,no dia 7 deste mês de Julho. Visivelmente emocionado
contou que o Nobel da Literatura está bem em termos físicos, mas que perdeu a
memória.
Esta é
verdadeiramente uma notícia muito triste. Garcia Márquez, o Gabo, deixar de
escrever. Ficaremos muito mais pobres sem a sua escrita. Lê-lo foi uma
descoberta imensurável. Retomar e retornar indefinidamente à sua obra é um
prazer inesgotável. Todos os livros que produziu fazem parte do acervo particular
de todos aqueles que se encantaram com
uma prosa inovadora e um mundo onde não encaixam limitações . O exercício do
imaginário, do fantástico sobre o real em que se confunde caos e premonições, epopeias e tragédias, morte e ressurreição,
profano e religioso, não condiciona a
sublimação da sua obra sem limites. É a
capacidade criadora do escritor que avassala e obriga o leitor a uma viagem onde tudo é normal e tudo é excepcional , como afirmou Cortázar .
Perder a 2ª
parte do seu livro de memórias, “ Viver
para contá-la”, é renunciar a mais um dos melhores relatos de ficção de Garcia
Marquez “onde as faculdades de narrador ultrapassam as capacidades de
memorialista”. Frequentemente repetia que no jornalismo , um só facto falso
prejudicava toda a obra ,enquanto que na
ficção um só facto verdadeiro a legitima. Afinal as coisas são como se recorda como foram, não importa se um
acontecimento não está certo, porque o vai ser em algum momento futuro.
Aquando da
publicação da 1ª Parte de “ Viver para contá-la”, Carlos Fuentes escreveu um
conjunto de textos condensados num pequeno livro sob o título “Gabo Memórias da
Memória” que acompanhava a 1ª edição dessa obra memorialista.
Pelo
interesse e amizade que ligava estes dois grandes escritores latino-americanos,
Carlos Fuentes faleceu há pouco tempo, transcreve-se um desses textos, “ Vida e
Morte”.
“ Quando
Cortázar morreu, telefonei a Garcia Márquez, comovido pelo desaparecimento do
nosso incomparável amigo. Gabo respondeu-me, memoravelmente: - Não acredites em tudo o que lês nos jornais.
É verdade: não há mortalidade na literatura. Ouvir Gabo falar de livros e autores é ouvi-lo falar do mais vivo, do mais próximo,
do mais íntimo. Gabriel possui uma memória poética fabulosa, coisa que – entre outras
– lhe invejo como invejo a Carlos Monsiváis ( capaz de passar uma tarde com Neruda fazendo conversa sem outras
palavras que não sejam citações da poesia de Neruda); a Chema Pérez Gay
( que, além disso, cita Holderlin, Goethe e Rilke em alemão) ; ou a
Antonia Fraser, que memoriza um poema todas as noites. Gabo sabe de cor
poesia de Garcilaso ( “ Escrito está na
minha alma o vosso gesto / e quanto escrever de vós desejo / vós só o escreveste, eu o leio / apenas, que
mesmo de voz me guardo nisto “). Às vezes, Garcia Márquez deixa entrever a
literatura que guarda. É Kafka e A Metamorfose, a leitura que o precipitou na
escrita , angustiado e anelante. É Faulkner e a convicção de que o presente
começou há dez mil anos. É Rulfo e o clamor dos silêncios. E é,
surpreendentemente, Dumas e O Conde de Monte Cristo como fábula de fábulas que
encerra o enigma do enigma; como fugir da prisão do Castelo de If? Que o leitor se ponha
a pensar e verá como as combinações possíveis são infinitas, tão infinitas como
a leitura. Gabriel García Márquez e Alexandre Dumas e Franz Kafka: como entrar
no Castelo, como sair do Castelo. A chave chama-se a literatura. Mas ela também
está escondida. Está na ilha do tesouro. Não a de Stevenson, mas a de Defoe,
autor preferido de García Márquez não tanto pelo Robinson como por Diário do
Ano da Peste O título diz tudo. O Robinson de Gabo é o do muito admirado
Coetzee: uma notícia falsa que alguém conta a Defoe. O meu Robinson é o de
Buñuel: o solitário gritando no alto da montanha para ouvir o eco da sua voz e
se sentir acompanhado.” Carlos Fuentes, “ Vida e Morte”, in “ Gabo Memórias da
Memória”, Ed. Dom Quixote, Abril 2003
Desejávamos que ambos fossem eternos!... Fazem-nos falta! Connosco, ainda Gabriel Garcia Marquez (Gabo), embora doente... Carlos Fuentes, genial, dotado de uma personalidade muito forte abalou, com grande pesar de todos nós!... Lembrá-los, é o dever de todos nós.
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