Sobre o diálogo inter-religioso
por ANSELMO BORGES
"A
questão do diálogo inter-religioso volta constantemente, também por causa da
paz. Actualmente, a religião mais perseguida é o cristianismo.
Para esse
diálogo, há pressupostos essenciais.
1. Religioso
e Sagrado não se identificam. Trata-se de realidades distintas: religioso diz
respeito ao pólo subjectivo, isto é, ao movimento de transcendimento e entrega
confiada por parte das pessoas religiosas ao pólo objectivo, que é o Sagrado ou
Mistério, a que todas as religiões estão referidas, configurando-o a seu modo.
2. Questão
decisiva é a da revelação. A pergunta é: como sabem os crentes que Deus falou?
Mediante certas características - por exemplo, a contingência radical, a morte
e o protesto contra ela, a esperança para lá da morte, a exigência de sentido
último -, a própria realidade, sempre ambígua, mostra-se ao crente
co-implicando a Presença do Divino como seu fundamento e sentido últimos. Como
escreve A. Torres Queiruga, "não se interpreta o mundo de uma determinada
maneira porque se é crente ou ateu, mas é-se crente ou ateu porque a fé ou a
não crença aparecem ao crente e ao ateu, respectivamente, como a melhor maneira
de interpretar o mundo comum".
3. A leitura
dos livros sagrados não pode ser de modo nenhum literal, mas histórico-crítica.
Por outro lado, se toda a religião tem como ponto de partida e de
"definição" esta pergunta essencial: o quê ou quem traz libertação e
salvação?, a libertação-salvação total é que constitui o fio hermenêutico
decisivo para a interpretação correcta dos livros sagrados na sua verdade
final. Só a esta luz é que eles são verdadeiros .
4. Condição
essencial para a paz é a separação da(s) Igreja(s) e do Estado. Só mediante a
neutralidade religiosa do Estado, é possível a garantia da liberdade religiosa
de todos os cidadãos sem discriminação. Mas a laicidade não significa de modo
nenhum que o Estado e a(s) Igreja(s) não possam e devam colaborar.
O diálogo
inter-religioso assenta em quatro pilares fundamentais.
1. Todas as
religiões, desde que não só não se oponham ao Humanum, mas, pelo contrário, o
afirmem e promovam, são reveladas e verdadeiras. Desde sempre Deus procura
manifestar-se e comunicar-se a todos. Assim, em todas as religiões há presença
de revelação e, portanto, de verdade e santidade. Precisamente porque todas são
reveladas, mas no quadro de interpretações humanas, todas são também
simultaneamente verdadeiras e falsas, precisando de autocrítica.
2. As
religiões são manifestações e encarnações da relação de Deus com o homem e do
homem com Deus. Elas estão referidas, isto é, em relação com o Absoluto, mas
elas próprias não são o Absoluto. O Absoluto não pode ser possuído ou dominado
pelo homem. Quando o homem fala de Deus, está sempre a falar do Deus dito por
ele e não, embora referido a ele, do Deus em si mesmo.
3. Se as
religiões não são o Absoluto, embora referidas a ele, as pessoas religiosas
devem dialogar para melhor se aproximarem do Mistério divino absoluto já
presente em cada religião, mas sempre transcendente a cada uma e a todas.
4.
Paradoxalmente, o quarto pilar afirma que do diálogo inter-religioso fazem
parte também os agnósticos e os ateus, pois o que, antes de mais, nos vincula a
todos é a humanidade, concluindo-se, assim, que os agnósticos e os ateus são
aqueles que, por estarem "de fora", talvez melhor possam aperceber-se
da inumanidade, superstição e idolatria, que tantas vezes afectam as religiões
históricas.
Antes de
sermos crentes ou não crentes, estamos vinculados pela humanidade comum e é
pela sua realização plena em todos os homens e mulheres que devemos estar
unidos. Critério essencial da verdade de uma religião é, pois, o seu
compromisso com os direitos humanos e a realização plena do ser humano. O
respeito pelo outro, crente ou ateu, e a salvaguarda da criação, não são algo
acrescentado à religião, mas suas exigências intrínsecas."
António
Borges em crónica publicada no DN em 09 Junho 2012
Inteiramente de acordo com o texto, expressão do pensamento de Anselmo Borges. No entanto, consideramos demaisado problemático este tema, em toda a Terra (Urbi et Orbi)... e sempre alvo de alegrias beatíficas desmesuradas, como de iras furacundas, e coprolália destravada, e até de ameaças à integridade física infelizmente!... Pensamos - de um modo geral e sem espaço para entrar em pormenores... - que toda e qualquer Religião (não falemos do conceito de "sagrado", por agora...), toda e qualquer Religião que possa defender o Homem e a sua sobrevivência e continuidade, os príncipios morais da natureza humana, os Direitos Humanos, e a Vida em si, serve ao próprio Homem!
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