Luis Manuel Gaspar - Um lugar nos
olhos
EXPOSIÇÃO na
Biblioteca Nacional de Portugal de 2
Julho a 31 Agosto | Sala de Referência | Entrada livre
Minudências
João Paulo
Cotrim
E no galope,
ao bater de asas
do último
insecto, roubei-te as imagens:
construíram-nos
em pedra, rosa
sem fios de
fogueira, a pele apartada
dos pulsos.
Há um tremor por excesso de pupilas,
o brilho que
me arrasta ao arrepio
para o teu
campo visual
Luis Manuel
Gaspar, Pandora (Averno, 2003)
"À força do
bater de asas, Luis Manuel Gaspar (Lisboa, 1960) ganhou uma reputação. Tantas
pupilas lança de encontro aos textos, sobretudo poéticos, sobretudo de amigos,
que lhes detecta as falhas de natureza: gralhas, incorrecções, dislexias e
paralisias. Possui memória de pedra e a atenção do fogo, qualidades ancestrais
que o tornam notável organizador de edições literárias, com o que isso implica
de intuição e paciência. A obra volátil torna-se completa por via do seu afã.
Há quem diga que basta passar pelos sítios, conversar com este e aquela, para
que a sua vetusta pasta recolha com simplicidade os segredos e detalhes dos
artistas de nomeada como do poeta mais obscuro. Mas ainda se tem desfeito
revisor, aquele que volta a ler, que persegue o galope da frase até que as
palavras se tornem definitivas. Em qualquer destas suas vocações da releitura,
o seu brilho está no detalhe.
Como nenhum
outro ilustrador, o essencial da sua obra pode ser encontrado algures entre a
Natureza e a palavra (nos livros de poesia, capas e miolo; dando rosto aos
volumes de ficção; em livro infantil com animais; nas bandas desenhadas que
ilustram poemas de Sophia, Pessoa, O’Neill entre tantos outros).
Uma parte
deste campo visual radica no naturalismo mais despojado, aqui e ali retocado
pelas cores vibrantes do acrílico. São lugares (recantos de cidade) e paisagens
(de beira-mar), gatos em diversas poses com todos os pêlos (sim, contei-os…),
moscas ou objectos. E retratos, de escritores ou de felídeos. A riqueza de
pormenor vai do cenário de ópera íntima à dentição completa do peixe. A segunda
parte acomoda-se na gaveta dos surrealismos, como se as gralhas dos textos se
transfigurassem em híbridos do mundo natural. Tenho-os no aconchego da mão e
não me canso de os mirar: aracnídeos em flor, ramos secos que se locomovem em
patas de aranha, pássaros que se desfazem em estames e corolas, ausências de
branco no coração de um bailado de folhas. Neste reino desenhado de Gaspar com
pujante ciência, animal e vegetal e inanimado fazem-se criatura única que
evolui perante os nossos olhos na superfície do papel. Uma composição por vezes
abstracta que faz todo o sentido. O que parecia arbitrária conjugação de
factores pulsa uma naturalidade óbvia, que parece dizer-nos, então não tinhas
reparado que os gravetos de pinho são invertebrados de exoesqueleto quitinoso?
Por junto e
sem risco, podemos afirmar estar em presença de um pequeno ecossistema
circulante, também ele orgânico, de desenhos parasitas dos livros e das
palavras. Mesmo que não sejam detectadas outras mais evidentes relações,
partilham espaço e alimentação. Luis Manuel Gaspar foi ao museu de uma história
natural paralela e esquecida, onde o universo fazia sentido através da
catalogação sistemática em enciclopédias ilustradas, e libertou a força
primordial das coisas: esqueletos e ossos, corpos e suas partes, folhas,
ferramentas, plantas, pétalas e pólenes e luminescências, becos sem saída,
paredes decadentes, azulejos, uma gama de fórmicas além da inesgotável lista de
insectos, de moscas e faróis. Portanto, todo um vocabulário que se vai
reinventando e tecendo a teia onde a morte se há-de sentar.
O estilo
minucioso de Luis-sem-acento tem como assinatura a tinta-da-china e o aparo
fino, tão fino como a sua elegância. Não dá um passo sem sépia. Mas a gama de
cor, por exemplo nas citadas bandas desenhadas (publicadas no jornal Viva
Voz e na revista Ler) onde o poema corre como arrepio suscitando
variações do olhar sobre sítio significante em modo disléxico e não
ilustrativo, torna-se personagem. Pela intensidade da paleta generosa e densa,
as texturas, a luz, os céus acontecem mais reais que o real. Como na poesia que
também pratica, o museu naturalmente de Luis enche de carne e veias o farol
assim como dá ao granito a leveza do veludo."
(texto
introdutório do catálogo "Um lugar nos olhos, 2011")
Poesia... A Poesia, mil riscos e um risco, um novelo de emoções, um traço, um novo traço e um grito que vão directo ao nosso coração... Luís Miguel Gaspar, uma poesia diferente!... "Um Lugar nos Olhos" - Os olhos vinculados a uma sensibilidade notável, a novos olhares.
ResponderEliminar