O impacto de Jorge Amado em Portugal
“Uma exposição sobre o impacto da obra de Jorge Amado em Portugal abriu ao público na Biblioteca Nacional, em Lisboa, no âmbito do centenário do nascimento do escritor brasileiro.
"Jorge Amado em Portugal" é o título desta exposição que ficará patente na Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) até 7 de Setembro, realizada por iniciativa da própria entidade.
Em declarações esta semana à agência Lusa, o comissário da exposição, Luís Augusto Costa Dias, referiu que o material apresentado, nomeadamente livros e revistas, é proveniente da BNP, excepto um filme documental cedido pela RTP, e documentos do processo que a polícia política do regime de Oliveira Salazar chegou a fazer sobre Jorge Amado (1912-2001).
Esses documentos, cedidos pela Torre do Tombo, contêm ainda um texto escrito por Jorge Amado em defesa da libertação de Álvaro Cunhal, então líder do PCP, que tinha sido publicado na clandestinidade pelo jornal Avante.
De acordo com o comissário, a exposição sobre Jorge Amado apresenta "os modos de recepção da sua obra no nosso país, desde o primeiro impacto intelectual, de contornos polémicos, nos anos trinta do século XX, à projeção mediática que correspondeu à divulgação através de famosas séries televisivas e a passagem pelo cinema, após os anos setenta".
Quando foi editado "País do Carnaval" (1931), Jorge Amado foi recebido como o escritor do "romance social", tal como o artista plástico brasileiro Cândido Portinari na pintura.
Após a edição da obra "Gabriela, Cravo e Canela" (1958) e a sua "fulgurante projeção em todo o mundo, a 'higiene' policial abriu a fresta das edições em Portugal", durante anos censuradas.
O romance foi publicado em 1960 sob impulso do editor português Lyon de Castro (1914-2012) e o envolvimento do escritor Alves Redol (1911-1969), e permitiu a vinda do escritor ao nosso país em 1966.
A partir dessa data, dá-se uma multiplicação de edições e tiragens, que permitiu uma recepção pública mais alargada, mas foi sobretudo após o 25 de Abril de 1974 que toda a obra de Jorge Amado conheceu edição integral, reforçada e alargada com a adaptação de alguns dos romances a séries televisivas e ao cinema.
A telenovela Gabriela, estreada em Portugal em 1977, e o filme "Dona Flor e Seus Dois Maridos", de Bruno Barreto, exibido nas salas, na mesma época, são dois exemplos nesse processo.” Lusa in DN Artes
A EXPOSIÇÃO “Jorge Amado em Portugal” decorre entre 28 Junho e 7 Setembro , na Sala de Exposições da Biblioteca Nacional de Portugal - Piso 2, com Entrada livre
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"Na
progressista Ilhéus, a capital do cacau, vivia Nacib, sírio, naturalizado
brasileiro, que aqui estava desde os quatro anos de idade. Dono do bar Vesúvio
e ilheense de coração, não se lembrava de nada de seu país. Numa manhã,
precisamente às seis horas, foi acordado por Filomena, sua cozinheira. Meio
atordoado entendeu que ela estava indo embora; iria para junto do filho, agora
casado e carente de sua presença.
Repentinamente,
Nacib se viu sem cozinheira, exatamente, um dia antes do jantar para trinta
pessoas, que seria dado no Vesúvio, em comemoração da recém-inaugurada empresa
de ônibus que fazia Ilhéus-Itabuna duas vezes por dia. Agora Ilhéus tinha um
serviço de transporte coletivo, graças ao empreendimento de dois homens
corajosos - o russo Jacob e o Moacir da garagem. Além disso, precisava de um
tabuleiro de doces e salgados para o bar.
Foi à casa
das irmãs dos Reis, Quinquina e Florzinha que, além de excelentes doceiras e
quituteiras, faziam o maior e o mais visitado presépio da cidade. Aceitaram a
encomenda, por que se tratava do senhor Nacib; estavam muito atarefadas com o
presépio. Naquela manhã, trabalhando no bar, contava sua desventura a todo
freguês, na expectativa de que este conhecesse uma cozinheira disponível. Não
poderia ficar com as dos Reis; eram muito caras. Logo após o almoço, aceitou a
sugestão do professor Josué; iria mais tarde ao "Mercado de
Escravos", onde se instalara uma leva de retirantes flagelados. Talvez,
com sorte, pudesse encontrar uma cozinheira em meio àquela gente.
Naquela
manhã, muitas coisas ocorreram em Ilhéus, fazendo a cidade fervilhar. Quando
estava para atracar no porto, o Ita encalhou na areia, ficando ali horas.
Dizia-se, com veemência que a falta de um porto decente era um despropósito
para uma cidade daquele porte. Além da costumeira leva de comerciantes e
aventureiros, o navio trazia de volta o exportador de cacau, Mundinho Falcão
que tinha ido ao Rio para ver a família e fazer contatos políticos. Era
solteiro e, como a maioria das pessoas, viera para Ilhéus em busca de fortuna.
Além disso, queria tentar esquecer um grande amor.
A notícia do
assassinato de um casal de jovens correu rápido como um relâmpago pela
preconceituosa cidade. Naquela manhã, o coronel Jesuíno flagrou sua esposa,
Sinhazinha, na cama com o dentista, Dr. Osmundo, matando-os em seguida.
Comentava-se e discutia-se calorosamente a tragédia dos dois apaixonados;
divulgavam-se versões da sociedade, opunham-se detalhes, mas com uma coisa
todos concordavam: o gesto macho do coronel era constantemente louvado. Para a
provinciana Ilhéus, honra de homem enganado, só o sangue poderia limpar. Na
busca de razões, os mais conservadores diziam que o vilão de tudo isso era o
clube Progresso com seus bailes.
Quando a
tarde caiu sobre Ilhéus e o bar começou a esvaziar, Nacib se dirigiu ao
Mercado. Entre os retirantes notou uma mulher em trapos miseráveis, pés imundos
descalços e cabelos desgrenhados. Estava tão suja que não se podia ver-lhe as
feições ou dar-lhe a idade; respondeu que se chamava Gabriela e que sabia fazer
de tudo. Mesmo achando que não era verdade, Nacib levou-a consigo, para
experimentar o seu serviço. Quando chegaram em casa, mostrou-lhe os aposentos e
o quarto onde ela ficaria. Antes de sair, mandou que tomasse um bom banho; iria
ao bar e depois acabaria a noite no Bataclan, onde estava de xodó com Risoleta.
Para surpresa
de Nacib, Gabriela revelou-se competentíssima no forno, fogão e arrumação de
casa. Além disso, era uma bela morena com lábios de pitanga; era de uma beleza
simples, pura. Logo, a m. oça se inteirou de tudo da casa, arrumando tempo até
para levar o almoço do patrão e ajudá-lo no bar, enquanto este almoçava. Não só
os quitutes da jovem cozinheira trouxeram mais clientes ao bar, como também sua
presença que a todos encantava. Ela, por sua vez, se encantava também com os
moços bonitos que freqüentavam o bar. Voltava para casa, quando o Sr Nacib se
acomodava na espreguiçadeira para a sesta de alguns minutos no começo da tarde.
Gabriela gostava de brincar, correr com as crianças, ficar descalça, ir ao
circo e de rir, ria sem motivo, ria sempre e muito com sua boca de pitanga e
uma flor nos cabelos(...)" Jorge Amado, in " Gabriela, Cravo e Canela", Publicações Europa-América
Jorge Amado foi amado intensamente em Portugal por uma geração. Apresentou o Brasil e um mosaico imenso de gente diversa que era povo tal como ele se assumia. Heróis que lutavam pela sobrevivência e pela justiça.
ResponderEliminarPerseguido e aplaudido, Jorge Amado foi o escritor brasileiro mais procurado no tempo da Ditadura portuguesa e nos anos que se seguiram.
Infelizmente, os senhores do Prémio Nobel nunca se "lembraram" (?) da Literatura Latino Americana!... O nosso Jorge Amado foi vítima dessa miopia dos que mandam no Nobel, em Estocolmo.
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