segunda-feira, 9 de julho de 2012

Gabriel Garcia Márquez


O escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez não vai voltar a escrever, depois de ter sido diagnosticado com demência. O anúncio foi feito pelo irmão do escritor, Jaime Garcia Marquez, numa conferência em Cartagena das Índias, Colômbia ,no dia  7 deste mês de Julho. Visivelmente emocionado contou que o Nobel da Literatura está bem em termos físicos, mas que perdeu a memória.
Esta é verdadeiramente uma notícia muito  triste. Garcia Márquez, o Gabo, deixar de escrever. Ficaremos muito mais pobres sem a sua escrita. Lê-lo foi uma descoberta imensurável. Retomar e retornar indefinidamente à sua obra é um prazer inesgotável. Todos os livros que produziu fazem parte do acervo particular de todos aqueles que se encantaram  com uma prosa inovadora e um mundo onde não encaixam limitações . O exercício do imaginário, do fantástico sobre o real em que se confunde caos  e premonições,  epopeias e tragédias, morte e ressurreição, profano e religioso, não  condiciona a sublimação da sua obra  sem limites. É a capacidade criadora do escritor que avassala e obriga o leitor a uma viagem onde tudo é normal e tudo é excepcional ,  como afirmou Cortázar .
Perder a 2ª parte do seu livro de  memórias, “ Viver para contá-la”, é renunciar a mais um dos melhores relatos de ficção de Garcia Marquez  “onde as faculdades de narrador ultrapassam as capacidades de memorialista”. Frequentemente repetia que no jornalismo , um só facto falso prejudicava  toda a obra ,enquanto que na ficção um só facto verdadeiro a legitima. Afinal as coisas são como  se recorda como foram, não importa se um acontecimento não está certo, porque o vai ser em algum momento futuro.
Aquando da publicação da 1ª Parte de “ Viver para contá-la”, Carlos Fuentes escreveu um conjunto de textos condensados num pequeno livro sob o título “Gabo Memórias da Memória” que acompanhava a 1ª edição dessa obra memorialista.
Pelo interesse e amizade que ligava estes dois grandes escritores latino-americanos, Carlos Fuentes faleceu há pouco tempo, transcreve-se um desses textos, “ Vida e Morte”.
Quando Cortázar morreu, telefonei a Garcia Márquez, comovido pelo desaparecimento do nosso incomparável amigo. Gabo respondeu-me, memoravelmente: -  Não acredites em tudo o que lês nos jornais. É verdade: não há mortalidade na literatura. Ouvir  Gabo falar de livros e autores  é ouvi-lo falar do mais vivo, do mais próximo, do mais íntimo. Gabriel possui uma memória poética fabulosa, coisa que – entre outras – lhe invejo como invejo a Carlos Monsiváis ( capaz de passar uma tarde  com Neruda fazendo conversa sem outras palavras que não sejam citações da poesia de Neruda); a Chema  Pérez Gay  ( que, além disso, cita Holderlin, Goethe e Rilke em alemão) ; ou a Antonia Fraser, que memoriza um poema todas as noites. Gabo sabe de cor poesia  de Garcilaso ( “ Escrito está na minha alma o vosso gesto / e quanto escrever de vós desejo / vós  só o escreveste, eu o leio / apenas, que mesmo de voz me guardo nisto “). Às vezes, Garcia Márquez deixa entrever a literatura que guarda. É Kafka e A Metamorfose, a leitura que o precipitou na escrita , angustiado e anelante. É Faulkner e a convicção de que o presente começou há dez mil anos. É Rulfo e o clamor dos silêncios. E é, surpreendentemente, Dumas e O Conde de Monte Cristo como fábula de fábulas que encerra o enigma do enigma; como fugir da  prisão do Castelo de If? Que o leitor se ponha a pensar e verá como as combinações possíveis são infinitas, tão infinitas como a leitura. Gabriel García Márquez e Alexandre Dumas e Franz Kafka: como entrar no Castelo, como sair do Castelo. A chave chama-se a literatura. Mas ela também está escondida. Está na ilha do tesouro. Não a de Stevenson, mas a de Defoe, autor preferido de García Márquez não tanto pelo Robinson como por Diário do Ano da Peste O título diz tudo. O Robinson de Gabo é o do muito admirado Coetzee: uma notícia falsa que alguém conta a Defoe. O meu Robinson é o de Buñuel: o solitário gritando no alto da montanha para ouvir o eco da sua voz e se sentir acompanhado.” Carlos Fuentes, “ Vida e Morte”, in “ Gabo Memórias da Memória”, Ed. Dom Quixote, Abril 2003

1 comentário:

  1. Desejávamos que ambos fossem eternos!... Fazem-nos falta! Connosco, ainda Gabriel Garcia Marquez (Gabo), embora doente... Carlos Fuentes, genial, dotado de uma personalidade muito forte abalou, com grande pesar de todos nós!... Lembrá-los, é o dever de todos nós.

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