“Acontece na vida de toda a gente. De repente, a porta que se fechou entreabre-se, a grade que se acabou de descer volta a erguer-se, o não definitivo já não é senão um talvez, o mundo transfigura-se, um sangue novo corre-nos nas veias. É a esperança. Pena suspensa. O veredicto de um juiz, de um médico, de um cônsul fica adiado. Uma voz anuncia-nos que nem tudo está perdido. Trémulos, com lágrimas de gratidão nos olhos, passamos para o aposento seguinte, onde nos pedem para esperarmos, antes de nos lançarem no abismo.”
Nina Berberova, in “Terra de Ninguém”
Peste Nina Berberova, in “Terra de Ninguém”
«E de cada vez que li uma história de peste, do fundo de um coração envenenado pelas suas próprias revoltas e pelas violências dos outros, um grito claro se ergueu dizendo que no entanto havia nos homens mais coisas para admirar do que para desprezar.» … «E a peste cada um a traz consigo, porque ninguém, sim, ninguém no mundo, está imune. E é necessário vigiarmo-nos constantemente para não sermos levados num minuto de distracção a respirar na cara de alguém e a pegar-lhe a infecção. O que é natural é o micróbio. O resto, a saúde, a integridade, a pureza, se preferirem, é um efeito da vontade, e de uma vontade que nunca deve deixar de exercer-se. O homem honesto, o que não infecta ninguém, é aquele que se distrai o menos possível. Sim, é frequente ser-se um patife. Mas é ainda mais fatigante não querer ser um patife. É por isso que toda a gente está fatigada porque toda a gente o é um pouco. Mas é por isso também que alguns conhecem tão fundo cansaço que só a morte os poderá libertar dele.» Albert Camus, in “Cadernos III,(caderno nº 5 1948/1951)” trad. António Ramos Rosa, Livros do Brasil
Entre a esperança e as trevas, entre o regozijo e a secura e emagrecimento da finitude, o Homem peregrina, errante, sempre pregado à cruz da sua determinante errância. De supetão, eis algo que deixa entrever uma réstea de redenção, algo que nos perspectiva uma saída para os confessáveis e apelidados "mares de felicidade", porém logo a seguir se cerra a frincha por onde olhávamos e era gulosa e apetecível porque nos propiciaria uma possível fuga. Eis, pois, o ponto fulcral: a fuga. Só pela fuga nos projectamos e/ou dimensionamos, e porventura nos aproximamos da realização pessoal, e o nosso permanente apelo gira sempre à volta da fuga, de onde fugimos, ou para onde fugimos. Sempre em fuga a cada instante do nosso viver... Porque "estar" ou "restar" é nunca ter existido ou já ter morrido. Nisso nos havemos de transformar, naquilo a que chamarão os restos de nós mesmos. Os restos, o que ficou de "estarmos" são o nosso inteiro "não". Só pela fuga é que vivemos, que nos afirmamos no "sim", que somos desejo, luz e possível verdade daquilo que fomos e ainda desejamos ser. E por este caminho, quase que pé ante pé, sem ruído, deixamos A. Camus e regressamos a J. J. Rousseau...
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