sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Vem aí um leão a correr…

 
“Mãe, vem aí um leão a correr!”
“Deixe lá o leão. Lavou as mãos?”
“Mãezinha, o leão vai-nos comer!”
“Faz-me o favor de ter modos cristãos?”
 
“Mãe, o leão está em cima de mim!”
“Estas crianças não têm maneiras!”
“O leão deu-me uma mordidela ruim!”
“Deixe-se o menino de besteiras!”
 
“Mãe, o leão já me comeu um braço!”
“Só mesmo uma paciência de mãe!”
“Mãe, se perco o outro braço, que faço?”
 
“Menino, por favor, porte-se bem!”
Por que não aprender a ficar calado,
mesmo no momento mais delicado?
06.10.2023


Há poucos dias, três meninas, aterradas com o seu futuro, diante de uma catástrofe climática que se aproxima, atiraram tinta verde a um ministro do ambiente. Foi uma tropelia censurável, mas foi também um gesto de quem está realmente assustado. Nos dias seguintes, a imprensa despreocupou-se das razões do gesto infeliz das meninas e preocupou-se imenso com a falta de estética democrática das ditas meninas. A forma, antes da substância. É uma maneira, como qualquer outra, de distrair a atenção das pessoas do essencial, atraindo-as para o supérfluo. Acho que foi isto que me deu vontade de escrever o modesto soneto que antecede estas palavras. Às vezes, mesmo querendo, não conseguimos evitar o escárnio e maldizer.
Eugénio Lisboa

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