O aprendiz de feiticeiro
De como um pensamento
reacionário do século XIX se tornou um aviso sensato no século XXI
por Eugénio Lisboa
“Joseph de
Maistre foi um filósofo, crítico e pensador político dos séculos XVIII / XIX,
opositor impiedoso do iluminismo e, mesmo, reacionário ultramontano e pai
espiritual de Charles Maurras. Excelente prosador, contudo, teve, como tal, a
aprovação de poetas como Lamartine e Baudelaire. É dele este pensamento, de
1800, que traduzo:” Se não voltamos às máximas antigas, se a educação não é
reentregue aos padres e se a ciência não é posta, por todo o lado, em segundo
lugar, os males que nos esperam são incalculáveis: seremos embrutecidos pela
ciência e será o último grau do embrutecimento.” Pondo de lado a reentrega da
educação aos padres – lagarto! lagarto! – há, no pensamento deste impenitente
reacionário, matéria que merece atenção. É evidente que não poderemos atribuir
à ciência só alguns males sérios que estamos a fazer à humanidade e à vida no
planeta, em geral, e esquecermos os incalculáveis benefícios que ela trouxe ao
nosso viver material e espiritual. Nos transportes, nas comunicações, na vida
doméstica, no campo essencial da medicina, no armazenamento e rápida
transmissão do conhecimento, nos novos instrumentos e condimentos que trouxe às
artes, a ciência prestou um indiscutível melhor estar aos humanos. Mas não
houve, hélas!, um necessário e cauteloso equilíbrio entre essas vantagens
inegáveis e a depredação que, com elas, andámos a fazer ao ambiente, além do
mal que andamos também a fazer às mentes das novas gerações, com o uso
embrutecedor de certas vantagens tecnológicas. O uso indiscriminado e pouco
pensado do telemóvel e do computador, para dar um só exemplo, está a produzir
intermináveis fornadas de imbecis e ignorantes, totalmente convencidos e
satisfeitos consigo próprios e com o seu próprio saber, “porque está tudo na
internet”. Pois está: antigamente também estava tudo nas enciclopédias, mas não
estava na cabeça deles, como agora também não está. Esta horrível desfasagem
entre o crescimento assombroso da ciência e a nossa estagnação em termos de
sabedoria de viver, foi e tem sido diagnosticada, com alarme, por figuras como
Einstein e até por pais fundadores da ciência informática. Estamos, como o
aprendiz de feiticeiro, a brincar com um invento de que não sabemos muito bem
as consequências que nos vai trazer. Ou sabemos e fechamos os olhos para não
ver e a cabeça para não antever. No entanto, o feio e crescente embrutecimento
está à vista: basta uma visita breve às malcheirosas redes sociais. Nunca
tantos disseram tantos dislates em tão pouco tempo e com tal velocidade de
transmissão.”
Eugénio Lisboa, 29.10.2023
por Eugénio Lisboa
Eugénio Lisboa, 29.10.2023
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