sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Veneza, revisitar a magia




Revisitar a magia

Nesta morte que aqui brilha
nesta luz que é Veneza
nesta praça maravilha
neste pus que é beleza
nesta festa que se afunda 
nesta chaga diamantina
nesta morte que aprofunda
e à beleza desatina
neste pus que é maravilha
neste luxo de rameira
nesta vida nesta ilha
nesta fúria nesta feira






neste cancro que é saúde
nesta luz que é magia 
neste lento alaúde
é que sai da noite o dia.
                  Outono de 1984
Eugénio Lisboa, in Acta Est Fabula, Memórias III - Lourenço Marques Revisited (1955-1976), Ed. Opera Omnia, Outubro de 2013






“o ar, a água, o fogo e a pedra não param de se mesclar ou de se inverter” (...) “a paisagem gira e eu giro com ela”. “Giramos, tecto, chão e eu (…), isso acaba me dando náuseas, esse vazio é insuportável”. Jean-Paul Sartre, in Veneza, de minha janela, nºs 27 e 28 da revista Verve, Fevereiro de 1953




“Veneza é igual a comer uma caixa de chocolates com licor, de uma só vez.”Truman Capote


 



 "Admiramos o mundo através do que amamos." - Alphonse de Lamartine




  

Morrer em Veneza
                     À memória de Gustav Asschenbach
                     morto em Veneza.

Em Veneza , morre-se
Gustavo,
a meio da manhã.

Em Veneza  corre-se 
Gustavo
atrás da vida vã.

Morrer em beleza,
Morrer em Veneza!





À  nossa volta, Veneza apodrece
e, nas malhas que a vida tece,
morremos nós, assim parece
se da vida se não merece.


Morrer em beleza,
morrer em Veneza!

Arte é trabalho, dizes, Gustavo!
Arte é suor e arte é rigor.
Mas deixa na boca um duro travo
a montes de cinza , sem amor.

Morrer em beleza,
morrer em Veneza!







Em Veneza , morre-se
Gustavo, 
da vida que não houve.
Em Veneza, morre-se,
Gustavo, 
do destino que nos ouve.

Morrer em beleza,
morrer em Veneza!





Ouvir nos canais o rumor  da morte,
enquanto em cima buscamos a vida.
A beleza, Gustavo, é o norte,
quando em nós a vida já é perdida.

Morrer em beleza, 
morrer em Veneza!

A peste que nos perca
e o belo que nos cerca:
modos de achar em Veneza
o nó da nossa certeza.

Morrer em beleza,
Morrer em Veneza!
Eugénio Lisboa, in Voz de Moçambique , 28 de Maio de 1972





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