Reproduz-se uma lista de livros, publicada na Revista Bula ( Brasil), que mudou a vida do seu autor. O que nos atraiu ,apesar da cuidada e relevante enumeração de obras, foi a indicação da última obra e a importância que teve na construção do percurso vivencial do autor. Um retrato forte de como a leitura pode mudar uma vida. Quem lê descobre-se , descobrindo o mundo e a vida.
Os 26 livros que mudaram a minha vida e podem mudar a sua
Os 26 livros que mudaram a minha vida e podem mudar a sua
Por Edival Lourenço em Livros, Revista Bula ( Brasil)
"A presente lista,
como as listas de um modo geral, tem algo de arbitrário e aleatório. Mas na
medida do possível procurei citar aqueles livros que mais fortemente me
marcaram em algum momento e por isso mesmo são as minhas influências mais
recorrentes. É claro que influências não ocorrem apenas por admiração, mas
também e, sobretudo, por antipatia. Os livros de que não gostei me influenciam,
na medida em que procuro me afastar dos recursos e técnicas neles utilizados.
Ative-me apenas a livros de ficção em prosa. Não citei livros igualmente
importantes nas áreas de poesia, filosofia, história, ensaio, crítica
literária, divulgação científica, etc. Muitos outros livros de ficção me
marcaram também, como “Memorial do Convento”, de José Saramago e “Histórias
Extraordinárias”, de Allan Poe, que, por questão de limites, ficaram de fora.
Cem Anos de Solidão, de
Gabriel García Márquez
Não foi por acaso
que este livro deu ao autor o prêmio Nobel. Uma trama comovente, uma
musicalidade que embala o espírito. Veja esta frase de abertura, se não lembra
uma frase musical de uma sinfonia majestosa: “Muitos anos depois, diante do
pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela
tarde remota em que o pai o levou para conhecer o gelo”. Quem não arrepia?
O Apanhador no Campo de
Centeio, J. D. Salinger
O texto ágil e
irreverente me ajudou a entender um pouco mais a rebeldia contida ou manifesta
de minha geração. Da necessidade que eu tinha de dizer alguma coisa num mundo
polifônico e multissurdo. Sua leitura me deu alguma voz para expor minhas
angústias.
A Invenção de Morel, de
Bioy Casares
Uma trama
fantasiosa e aparentemente absurda me abriu as portas para ver novas
possibilidades por traz de uma realidade aparentemente trivial. Desde sua
leitura passei a supor algum mistério promovendo a rotina dos acontecimentos normais.
Ficções, de Jorge Luís
Borges
Desde 1977 tenho
este livro em minha cabeceira. Não passo uma semana sem reler algum trecho. Sua
estética simples e prodigiosa não cansa de me encantar. A sonoridade, a
cadência, os acontecimentos inesperado fazem dessa obra uma rara preciosidade.
Borges tem muitos textos fascinantes. Mas Ficções é o máximo. O Nobel perdeu
uma grande oportunidade ao não premiá-lo.
Meridiano de Sangue, de
Cormac McCarthy
Uma obra-prima que
descreve o mundo brutal na fronteira entre o Texas e o México. Na fronteira
imprevisível entre a civilização e a barbárie. Este livro me tirou o sono, pela
dureza e pela poesia que consegue tirar dessa brutalidade.
Pedro Páramo, de Juan Rulfo
O texto
aparentemente simples e criativo, e o clima ambíguo que não permite ao leitor
saber se os personagens estão vivos ou mortos são as peças fundamentais do
realismo mágico. A criatividade de Rulfo foi seminal na abertura de novos
caminhos para uma nova corrente na literatura latino-americana e sua
disseminação pelo mundo.
A Sangue Frio, de Truman
Capote
Pela primeira, e
talvez a única, vi uma combinação tão acurada de jornalismo com imaginação
literária. O livro reúne todos os elementos, em doses milimetricamente medidas,
para a realização de uma obra-prima. O relato brutal de um assassinato de
verdade não deu apenas uma obra de não-ficção. O esmero de Capote a transformou
em ficção de primeira linha.
A Metamorfose, de Franz
Kafka
As circunstâncias
em que li “A Metamorfose” ajudaram a potencializar as qualidades normais do
livro. Vinha de muita subliteratura e obras infanto-juvenis. Em 1971, ao sair
do interior e mudar pra capital, conheci um professor de literatura que me
emprestou o livro e me orientou na leitura. Senti que se abria à minha frente
um novo horizonte de possibilidades.
Sargento Getúlio, de João
Ubaldo Ribeiro
Um livro telúrico,
um personagem rude, retrato autêntico da brasilidade profunda. Numa dicção
original e criativa, adequada à rudeza do ambiente e das pessoas. Uma pequena
obra-prima.
Memórias Póstumas de Brás
Cubas, de Machado de Assis
A trama enviesada,
da morte para o nascimento, uma biografia contada pelo próprio defunto, são
fatos que me pegaram desde o início. Mas o que mais me encanta em Machado é a
lapidação da frase, o burilamento da ideia, mas passando a sensação de que tudo
soa natural. Um mestre da elegância, um ouvido privilegiado na construção da
musicalidade do texto.
Grande Sertão: Veredas, de
Guimarães Rosa
O trabalho de
linguagem é exemplar. O sertão alambicado em degraus de pureza. É claro que tem
algumas platitudes e algumas cacofonias que poderiam ser evitadas. Talvez
questão de gosto. Afora essas pequenas gralhas a obra é um monumento. Um
monumento à cultura, à estética e à sensibilidade. Mostra como o talento é
capaz de transformar fatos irrelevantes e toscos em peças de refinada cultura
universal.
Feliz Ano Novo, de Rubem
Fonseca
Quanto tomei
conhecimento daquelas frases curtas e cortantes, feito estilete de malandro,
fiquei encantado. A violência gratuita, de uma urbanidade barbarizada, me
deixou pasmo. Talvez Rubem Fonseca tenha se tornado o profeta de uma realidade
cruel que estamos vivendo sua plenitude em nossos dias. Digo da violência. Não
do refinamento da linguagem nem da técnica narrativa.
Ulysses, de James Joyce
O que direi sobre
“Ulysses”? Acho que tudo já foi dito sobre “Ulysses”. Ali você encontra tudo o
que um aspirante a escritor precisa encontrar em suas leituras. Há uma
cornucópia de estilos, estratégias e arranjos literários impecáveis. Joyce: o
mestre dos mestres. Li e reli na tradução de Houaiss. Estou lendo na tradução
de Galindo.
Vidas Secas, de Graciliano
Ramos
A dureza da vida
narrada com economia de palavras e movimentos. A vida dura refletindo no texto
duro e sem adjetivos do velho Graça. Levantamento impecável de perfis com
economia de recursos, onde até uma cadela manifesta sentimentos humanos. Um
texto basilar para se escrever em língua portuguesa.
A Morte de Ivan Ilitch, de
Liev Tolstói
Antes que eu
soubesse que Otto Maria Carpeaux tinha dito que “‘A Morte de Ivan Ilitch’ é uma
das obras mais comoventes e mais pungentes da literatura universal, talvez a
obra-prima de Tolstói”, eu já supunha que ele era isso tudo. Uma obra perfeita
sob qualquer aspecto. De uma humanidade comovente e uma estética impecável.
Digna da grife de Tolstói.
Lavoura Arcaica, de Raduan
Nassar
Um drama familiar
tenebroso, em que um jovem distópico e pouco afeito à tradição, cria
aborrecimentos incontornáveis no seio da família. Tudo narrado com maestria, e
um sopro poético de alta voltagem. Um momento de pico da moderna literatura
nacional.
Pergunte ao Pó, de John
Fante
A angústia
congênita da Geração Beat, esta geração que fermentou a minha geração, e nos
inoculou sua doidice perambulante. A maestria de Fante em narrar histórias doloridamente
humanas, sem se enredar na pieguice. Um romance comovente de geração que se
tornou atemporal.
O Velho e o Mar, de Ernest
Hemingway
Romance pungente da
condição humana. Um momento iluminado de Hemingway. Uma das metáforas mais
candentes de nossa condição de trogloditas precários portadores de sonhos de
superação.
Madame Bovary, de Gustav
Flaubert
Neste livro,
contando uma história de triângulo amoroso, Flaubert disseca a alma dos
personagens, especialmente da heroína. Como o adultério era crime de ação
pública na França de sua época, Flaubert foi concitado pela justiça a dedurar
quem era Madame Bovary, tal o realismo de sua exposição. Ao que ele respondeu:
“Madame Bovary est moi”. Esta informação é manjada. Mas o livro é melhor do que
qualquer informação que eu pudesse passar.
Dom Quixote, de Cervantes
Uma sátira
impetrada por Cervantes à era dos cavaleiros de capa e espada. Uma história de
loucura que atravessou os séculos e serve para chacotear ainda hoje as
pretensões exasperadas que empreendemos de lutar contra os “moinhos de vento”.
Uma das peças seminais da literatura como conhecemos. E que vale a pena ser
lida em qualquer fase da vida adulta.
No Caminho de Swann, de
Marcel Proust
Neste tomo, Proust
vai fundo nos sentimentos que nos fazem humanos: a memória, a saudade, os
biscoitinhos Madeleine, os sentimentos de amor e até os sentimentos de pouca
nobreza, que poderiam ser classificados como os sete pecados capitais. Suas
frases de volteios e meadas, constroem um texto com infinitas digressões. Não é
leitura para apressados. Mas o leitor sairá premiado de seu exercício.
Morte em Veneza, de Thomas
Mann
Novela curta do
auto de “A Montanha Mágica”, “José e Seus Irmãos”, e “Doutor Fausto”. Um texto
intenso, escrito em plena Belle Époque (1912), quando se acreditava que os
recursos tecnológico e a grana viva poderiam prevenir o homem de qualquer
precariedade (o Titanic foi construído sob a égide desse engano) um escritor
consagrado, supostamente heterossexual, sucumbe tolamente pela paixão a um jovem
desconhecido. Ou seja, ninguém está seguro de nada.
Jurubatuba, de Carmo
Bernardes
Um sujeito sem
raízes, andante pelo mundo, vai seguindo pela vida e aprontando. Segue pelos
sertões de Goiás, fazendo das suas. Esse romance me mostrou na prática que os elementos
de nossa epopeia estão ao nosso redor. O talento do autor é que vai
transformá-lo em faturas universais, ou não.
A Máquina Extraviada, de
José J. Veiga
Outro autor goiano
que fez aumentar minha convicção de que não precisamos de elementos alienígenas
para montar a nossa narrativa. A verdade do mundo está aqui, acolá e alhures. O
que vai conceder grau de convencimento é o talento, o jeito de apresentar a
narrativa. Veiga consegue contar histórias literalmente fantásticas, com o
mínimo de elementos retirados dos cerrados minimalistas de Goiás.
Macbeth, de William
Shakespeare
Um drama
espetacularmente bem montado, numa linguagem elegante. Frases bem feitas sobre
a condição humana diante do poder e da guerra. Fonte de inspiração inesgotável.
Almanaque Biotônico
Fontoura
Pode parecer
brincadeira, mas não é. Porque nem se trata de um livro. A gente morava num
rancho de folhas de palmeiras, afastado de vizinhos. Naquele tempo e lugar o
normal era que ninguém soubesse ler e escrever, a não ser os patrões. Minha mãe
não lia, meu pai apenas soletrava, mas tinha dificuldades em reunir as sílabas
em palavras, numa espécie de gagueira pré-leitura. Às margens de um rio, meu
destino, como o das demais crianças, parecia já bem definido: ser analfabeto e
trabalhador rural sem terra, como meus pais. Um belo dia um divulgador do
Biotônico passou por lá. Fez degustação com uma colherzinha de chá da tintura
para cada um de nós. Achei gostoso. Nem parecia remédio. Meu pai não tinha
dinheiro para comprar. Mas enquanto esperava o almoço, o divulgador foi lendo o
Almanaque. Fiquei encantado: como podia alguém correr os olhos sobre aquelas
fileiras de formiguinhas mortas em cima do papel e ir falando coisas que eu
achava tão bonitas?! Para minha alegria, ao ir embora, deixou um exemplar
comigo. Como prestara atenção na leitura, eu repetia em voz alta as
historinhas. Sempre que havia oportunidade de encontrar alguém eu sacava logo
do Almanaque e “lia” para os interlocutores. Todo mundo fingia achar que eu
sabia ler. Nunca me chamaram para ler algum bilhete ou carta de parentes. A
partir de então, como efeito colateral daquela experiência, adquiri e reforcei
a convicção de que eu iria estudar ainda, aprender a ler de verdade e escrever
histórias como aquelas. Ninguém acreditava nisso, além de mim. Não existiam
escolas num raio de 40 km e nem recursos havia para que eu fosse para perto de
uma delas. Meu pai não iria deixar seu meio de vida no sertão. Mas a roda da
vida foi girando, orientada por esse propósito, de tal sorte que em 1963, aos
11 anos, com a venda de minha parte numa colheita de feijão, comprei meu
primeiro enxoval de estudante e entrei para o curso primário, com o firme
propósito de me tornar escritor. Mesmo não sendo um livro, o Almanaque do
Biotônico Fontoura foi o texto mais importante de minha vida." Edival Lourenço, Revista Bula, Brasil.
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