sexta-feira, 26 de junho de 2015

Esta Lisboa que eu amo


Finis  Terrae
" A última Vista da Cidade será uma cortina de gaivotas enfurecidas a levantarem-se entre mim e o Tejo.
Na altura estarei , ou estou ainda, sentado num café-snack do Terreiro do Paço junto ao cais dos cacilheiros , com uma larga vidraça  a separar-me do rio. Café Atinel, que nome mais estúpido. Olho as mesas vazias e pergunto-me por que razão é que um sítio assim, tão privilegiado, consegue estar desconhecido. Por mim não quero outra coisa: barcos que chegam , barcos que partem, gente de entrar  e sair a servir-se ao balcão, e eu sentado em cima do Tejo.
Tal como estou tenho a cidade pelas costas. Comércio, multidão, Europa, fica tudo para trás. Lá as pessoas andam todas a perguntar as horas umas às outras, enquanto que neste reduto para aqui esquecido sabe-se do correr do dia pelo mudar da cor do Tejo, e não me digam que não é uma felicidade estar-se assim , à mesa sobre as águas , com gaivotas a saírem-nos debaixo dos pés e a passarem-nos a dois palmos  dos olhos num bailado de gritaria.
Tempo bom, o desta solidão. tempo melhor ainda, lembram os eméritos de biblioteca num ulissiponês de fazer inveja , quando se via a olho nu o promontório da Lua por toda essa costa além. Tempo , dizem, em que nas margens da Outra Banda havia areias que escorriam ouro ( Marco Terêncio fala disso) e pastagens celestes onde as éguas emprenhavam pelo vento. Tempo de poeiras luminosas e lágrimas lunares. E de pérolas. e de tritões. Tritões cantadores como aquele que consta da Descrição da Cidade de  Lisboa de Damião de Góis."
José Cardoso Pires, in "Lisboa , Livro de Bordo, vozes, olhares, memorações", Publicações Dom Quixote, Setembro de 1997, pag 75-76

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