segunda-feira, 26 de março de 2012

Depois de amanhã a Primavera

O poeta João Rui de Sousa foi distinguido por unanimidade com o prémio Vida Literária da Associação Portuguesa de Escritores/Caixa Geral de Depósitos de 2012. Este  prémio de consagração, no valor de 25.000 euros, tem sido atribuído de dois em dois anos, a escritores de ficção, poesia e ensaio. Distinguiu, entre outros, José Saramago, Miguel Torga, Eugénio de Andrade, Mário Cesariny e Vítor Aguiar e Silva.  
João Rui de Sousa nasceu em Lisboa, a 12 de Outubro de 1928.Licenciou-se em Ciências Históricas e Filosóficas, pela Faculdade de Letras de Lisboa. Em 1982 ingressou como investigador de espólios literários na Biblioteca Nacional. Iniciou a sua actividade literária  na revista Cassiopeia (Lisboa,1955)  com  poemas e ensaio, tendo   integrado  a equipa de direcção  juntamente com José Bento, José Terra, António Carlos e António Ramos Rosa. Tem uma vasta obra poética publicada, bem como vários Ensaios.                                  


Depois de amanhã a Primavera!
                      À Isabel e ao António
A dadivosa mãe que em tudo existe
para além do só remédio só palavra
um cobertor de esperanças para o medo
três girassóis lindíssimos desdobráveis

A boca na boca e as lágrimas
mais azuis de brinquedos e de imensos
lençóis de inventar os dias límpidos
A dadivosa mãe as tardes quentes

Florescer a noite de agasalhos
de corações em pé no destemor
alimentar as órbitas fraternas
de iluminar raízes dança pura

Ó música sem tédio dos cabelos
do teu olhar do cheiro dos reflexos
desta razão solar! Em caule e rama
- ó dadivosa mãe – tudo desperta!
João Rui de Sousa, Corpo Terrestre (1972), In Obra Poética 1960-2000
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002

Poema Contíguo ao Ódio

Que gelado sopro nos agita
do lado de dentro das ruas?

Que rápida vertigem nos domina
nesta agudíssima manhã?

Este vento que nos queima               estas veias mais quentes
Estes longos minutos que sacodem o rosto

                                                          
Estes ponteiros gigantes que nos marcam os séculos
Estes rios de sal que abrem sulcos nos ossos

Esta raiva que nos corta                    estas lâminas nos lábios
Estes vidros de silêncio que nos enchem a boca

Estes deuses que sorriem                 estas lágrimas mais puras
Estes grandes traços negros de trânsito impedido

João Rui de Sousa, in "Obra Poética 1960-2000", Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2002

1 comentário:

  1. "Poeta aqui nasci, e por mares e terras estranhas me perdi, e nem sinal de mim houvera..." Esta confissão atribuída a um poeta anónimo do século XVI aplica-se ao autor e crítico literário Rui de Sousa, nos nossos dias... Rui de Sousa (João Rui de Sousa) continua a ser um poeta dos maiores, contemporâneo e grande, e generoso. Deu a mão a tantos outros poetas, e trabalhou para que estes se tornassem conhecidos, tanto que poderíamos dizer que os levantou a todos, e que esses todos lhe deveriam estar gratos. Quem leva uma vida a engrandecer os outros, a falar atenta e competentemente deles, merece ser elevado e relevado ao cume dos maiores da nossa geração. Aqui, a generosidade é mais que um posto!... Curvamo-nos respeitosamente perante este prémio mais que merecido e atribuído a J. Rui de Sousa, que só peca por chegar tarde!... Ele merecia-o - sim!... - há muito, e faz pena olhar que estavam todos deste modo tão calados, como que sem repararem nele, mas carregando uma dívida enorme para com ele...

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