terça-feira, 27 de março de 2012

1ª Bienal Internacional de Poesia

Luanda acolhe Bienal Internacional de Poesia
A decorrer de 21 deste mês a 21 de Abril próximo sob o signo “Palavras escritas em folha de mel”, o evento contará com a participação de poetas de diferentes países, entre os quais lusófonos.
Promovido pela Arte Viva, Edições e Eventos Culturais e a Fundação Sindika Dokolo, visa legitimar, no sentido pedagógico, a história da poesia angolana, consubstanciada na produção dos seus mais dignos poetas, invertendo a tendência de um certo tipo de criação, de pendor subversivo, que desrespeita o bom nome das instituições angolanas.
A Bienal em questão, pretende colocar igualmente a tónica no texto dito, recuperar o que a poesia foi na sua origem, a sonoridade, acto que estará plasmado no seu programa de recitais,  embora pretenda privilegiar, numa proporção equivalente, uma mostra diacrónica de textos poéticos fixados pela escrita.
Segundo o porta-voz, Jomo Fortunato, estão convidados para o palco livre e para a participação nas mesas redondas, os poetas, Ademir Assunção, Guido Bilharinho, Nina Rizzi, Cláudio Daniel, Wilmar Silva, Micheline Verusck e Camila Vardarac do Brasil. A longa lista de convidados inclui ainda Amosse Mucavele, Diniz Muha, Eduardo Quive, Luís Cezerilo, Filimone Meigos de Moçambique, Luís Costa, António José Borges e Maria Ângela Carrascalão de Timor Leste. Completam a lista, Corsino Fortes, Elísio Filinto, José Luís Tavares, Vera Duarte de Cabo Verde, Jerónimo Salvaterra Manuel, Conceição Lima de São Tomé e Príncipe, Ernesto Melo e Castro, Jorge Melícias, Luís Serguilha, Fernando Aguiar de Portugal, Odete Semedo, e Tony Tcheka da Guiné-Bissau.
Jomo Fortunato adiantou ainda que a grande intenção dos curadores desta I Bienal é sobretudo, a problematização do fenómeno literário, centrada na poesia, enquanto fonte potencial de conhecimento da história política e social de Angola e dos países convidados.
À margem dos atractivos já referenciados serão realizados concertos, com cantores que interpretarão textos de poetas angolanos, bem como recitais, igualmente com poetas angolanos e convidados estrangeiros.
O programa contempla também mesas redondas sobre a génese da poesia e história literária, teatro sobre poemas representados em palco, exposição de livros e discos editados sobre recitais de poesia. Reserva igualmente uma semana especial dedicada à obra do poeta Agostinho Neto e depoimentos sobre a sua vida literária, a cargo da escritora Maria Eugénia Neto.
Música e poesia
A Bienal Internacional de Poesia, reservou ainda um espaço para os cantores angolanos que cantam textos de poetas angolanos, desde Agostinho Neto, Mário António Fernandes de Oliveira, Manuel Rui, Viriato da Cruz, António Jacinto, e Raúl David, que serão interpretados, pelos trovadores José Kafala e Acácio, do grupo Acapaná, e Dulce Trindade, incluindo as propostas inovadoras do cantor, Jack Kanga.
Cinquenta poemas estarão expostos na Bienal Internacional de Poesia.
Textos clássicos 

Apesar de  incluir a produção literária contemporânea, a Bienal Internacional da Poesia privilegiará os clássicos da literatura angolana, na perspectiva das obras que se reportam à história literária de Angola, entendidas na relação entre a edição, e a tradição literária que lhe é anterior, independentemente de um eventual juízo estético.
Jomo Fortunato realçou que um exemplo poderá fazer luz sobre o critério de selecção dos textos clássicos presentes na Bienal: cinco anos após a instalação do prelo em Angola (1845) surgem os poemas do livro “Espontaneidades da Minha Alma”.
Recordou, por exemplo, que em “Às senhoras africanas”, de José da Silva Maia Ferreira, um clássico da literatura angolana publicado em 1849, é importante a abstracção da "Aliterariedade". Salientou o facto de Maia Ferreira ter sido o primeiro poeta africano de língua portuguesa com livro publicado, uma constatação que dispensa eventuais polémicas à volta do assunto, “embora corroboremos, refere, a ideia que, nesta altura, a literatura angolana ainda não constituísse um sistema integrado e funcional, tal como se entende na actualidade”.
Poesia e liberdade
Jomo Fortunato referiu igualmente que a poesia angolana, importante ferramenta de contestação anticolonial, viveu um longo período naturalista, romântico, e, sobretudo, contestatário, e tem evocado, mais recentemente, o lirismo e a liberdade subjectiva dos seus poetas mais jovens, instaurando a construção livre e a sucessiva desconstrução de mundos possíveis.
De natureza inclusiva, a Bienal Internacional da Poesia será uma singular oportunidade de empreender uma reflexão especulativa sobre a natureza e os mecanismos de construção textual da poesia, valorizando as diversas vozes da poética angolana, que têm absorvido, ao longo da sua gloriosa história, múltiplas marcas, caminhadas e peregrinações, onde os silêncios gritaram de mágoa.
Hoje, segundo Jomo Fortunato, os desesperos ressuscitam de esperança, no processo heróico e irreversível da construção da “Nova Angola”, o novo ciclo da história, enunciado pelo Presidente da República, José Eduardo dos Santos.
Ainda segundo Jomo Fortunato, os organizadores da Bienal Internacional da Poesia, não acreditam no fim da poesia, tal como advogam alguns profetas da necrologia do verso, pois consideram-na cada vez mais viva e actuante, num mundo vertiginosamente globalizado e diverso.
Nesta perspectiva, os convidados e público em geral, irão desfrutar o efeito estético de uma infinidade de “palavras escritas em folhas de mel”, signo do certame, e paráfrase de um verso do poeta e curador da Bienal Internacional da Poesia, João Maimona.
De recordar, que um dos nobres objectivos da Bienal Internacional de Poesia, a par de outros não menores, é o de legitimar, no sentido pedagógico, a história da poesia angolana, consubstanciada na produção dos seus mais dignos poetas, invertendo a tendência de um certo tipo de criação, de pendor subversivo, que desrespeita o bom nome das instituições angolanas.
Augusto Nunes, in “ O País”, 21 de Março de 2012

Mar novo
E a embarcação aparecia como um barco de recreio.
Do pescador a musculatura dolorosamente suada
merecia uma simples pincelada
de silhueta negra
impressionismo fácil
afirmação exótica de que o dongo
não andava sozinho.
2
Mas é novo este azul    tela rasgada
é novo o nosso olhar.
É nova esta forma gestual de espuma
feita sabor de amor de guerra e de vitória
em nossas bocas férteis em nossa pálpebras
de antigo medo clandestino
soletrando a lágrima
quando era o nosso mar recordação também
escravizada:
caminho secular de ir e não vir.
3
É nova esta areia
este marulhar de fogo nos ouvidos
quase notícia do rebentamento maior
sobre o inimigo.
É novo este calor como se o sol
fosse um ananás coletivo suculento
rasgado pelos dedos da madrugada mais quente
e mais suave.
4
E é bom medir a água evaporada
sobre a concha
a alga
a rocha.
Medir também teu corpo natural
onde encontrar a boca
os pés
os olhos
a palavra.
5
E é bom verificar as mãos. Principalmente
as nossas mãos umedecidas pelo mar.
As mãos que tocam as coisas
As mãos que fazem as coisas
As mãos. As mãos terminal de carga
e de descarga do nosso pensamento
As mãos mergulhadas sob a água.
na (re)descoberta tímida das essências
no pulsar submarino de uma nova esperança.
6
Tudo é fugaz
entre o desenho do teu pé na areia
e a onda que desfaz
a marca
Entre a guerra e a paz
retorno fisicamente o poema      a onda
constante meditação primeira.
Nós e as coisas.
Nada permanece que não seja
para a necessária mudança.
Que o diga o mar.
Manuel Rui Alves Monteiro, in “Cinco vezes onze - poemas em Novembro” Luanda,  1985, Lisboa, Edições 70
Manuel Rui Alves Monteiro nasceu no Huambo em 1941, tendo vivido durante anos em Coimbra onde se licenciou em Direito. Em Portugal foi advogado e membro da direcção da revista "Vértice", de que foi colaborador. Regressou a Angola em 1974, onde ocupou diversos cargos políticos, tendo sido Ministro da Informação do Governo de Transição. Foi também professor universitário e Reitor da Universidade de Huambo.É um dos principais ficcionistas Angolanos
Obra poética:
Poesia sem Notícias, 1967, Porto, e. a.;
A Onda, 1973, Coimbra, Ed. Centelha;
11 Poemas em Novembro (Ano Um), 1976, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
11 Poemas em Novembro (Ano Dois), 1977, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
11 Poemas em Novembro (Ano Três), 1978, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
Agricultura, 1978, Luanda, Ed. Conselho Nacional de Cultura / Instituto Angolano do Livro;
11 Poemas em Novembro (Ano Quatro), 1979, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
11 Poemas em Novembro (Ano Cinco), 1980, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
11 Poemas em Novembro (Ano Seis), 1981, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
11 Poemas em Novembro (Ano Sete), 1984, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
Cinco Vezes Onze Poemas em Novembro (Reúne os 5 primeiros livros da série 11 Poemas em Novembro), 1985, Lisboa, Edições 70;
11 Poemas em Novembro (Ano Oito), 1988, Luanda, União dos Escritores Angolanos;
Assalto, sem data, Lisboa, Plátano Editora

1 comentário:

  1. Ficaram-me os olhos pespegados na foto em cima, e em toda a beleza que dela transparece, recordando essa encantadora baía de Luanda, o calor suado e húmido, as palmeiras com as copas movimentando-se em gestos ondulantes, sopradas pela brisa que vem do mar, recolhendo na memória a velha inundação de acácias vermelhas... Luanda em todo o seu esplendor!...

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