morreu como qualquer de nós
Ficou tão triste a gente destes sítios
Nunca foi tão depressa noite neste bairro"
Ruy Belo, Poema quotidiano,in "Aquele Grande Rio Eufrates"
E Tudo Era Possível
Na minha juventude antes de ter saído
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
da casa de meus pais disposto a viajar
eu conhecia já o rebentar do mar
das páginas dos livros que já tinha lido
Chegava o mês de maio era tudo florido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
o rolo das manhãs punha-se a circular
e era só ouvir o sonhador falar
da vida como se ela houvesse acontecido
E tudo se passava numa outra vida
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
e havia para as coisas sempre uma saída
Quando foi isso? Eu próprio não o sei dizer
Só sei que tinha o poder duma criança
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
entre as coisas e mim havia vizinhança
e tudo era possível era só querer
Ruy Belo, "Homem de Palavra[s]"
Lisboa, Editorial Presença, 1999,5ª ed
Os 50 anos da obra de "Aquele Grande Rio Eufrates", de Ruy Belo, vão ser assinalados, a 3 e 4 de Novembro, na Fundação Gulbenkian, com um colóquio dedicado ao autor. Já este mês, o novo número da Colóquio/Letras publicou duas cartas inéditas do escritor.
Celebrando o cinquentenário da publicação de "Aquele Grande Rio Eufrates" (1961), este colóquio destina-se a homenagear a obra de um dos poetas centrais da segunda metade do século XX. Aberto a estudiosos da obra de Ruy Belo, mas também a especialistas da poesia portuguesa do século XX e da teoria e crítica literárias, este encontro pretende pôr em relevo os múltiplos problemas que a sua poesia coloca, os universos de referência e o seu lugar no panorama da poesia contemporânea.
Celebrando o cinquentenário da publicação de "Aquele Grande Rio Eufrates" (1961), este colóquio destina-se a homenagear a obra de um dos poetas centrais da segunda metade do século XX. Aberto a estudiosos da obra de Ruy Belo, mas também a especialistas da poesia portuguesa do século XX e da teoria e crítica literárias, este encontro pretende pôr em relevo os múltiplos problemas que a sua poesia coloca, os universos de referência e o seu lugar no panorama da poesia contemporânea.
Grandeza do Homem
Somos a grande ilha do silêncio de deus
Chovam as estações soprem os ventos
jamais hão-de passar das margens
Caia mesmo uma bota cardada
no grande reduto de deus e não conseguirá
desvanecer a primitiva pegada
É esta a grande humildade a pequena
e pobre grandeza do homem
Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates", Lisboa : Ática, 1961
Somos a grande ilha do silêncio de deus
Chovam as estações soprem os ventos
jamais hão-de passar das margens
Caia mesmo uma bota cardada
no grande reduto de deus e não conseguirá
desvanecer a primitiva pegada
É esta a grande humildade a pequena
e pobre grandeza do homem
Ruy Belo, in "Aquele Grande Rio Eufrates", Lisboa : Ática, 1961
Ruy Belo nasceu em S. João da Ribeira em 1933. Estudou Direito, primeiro na Universidade de Coimbra, depois na Universidade de Lisboa, onde se diplomou em 1956. Doutorou-se em Direito Canónico na Universidade de S. Tomás de Aquino, em Roma. Em 1967, concluiu a licenciatura em Filologia Românica, na Faculdade de Letras de Lisboa .De 1971 a 1977 foi Leitor na Universidade de Madrid. Tal como Jorge de Sena foi forçado a sair de Portugal porque não arranjou trabalho. Neste país, não houve lugar para estes dois grandes poetas que foram próximos, amigos. "Portugal não é pátria, mas país" escreveu Ruy Belo.
Professor, editor, poeta , jornalista, tradutor, ensaísta, crítico literário, Ruy Belo morreu subitamente aos 45 anos de idade, em 1978.
O seu nome ocupa um lugar de excelência na poesia portuguesa da segunda metade do séc. XX. Poesia que não é militante, elaborada com uma linguagem inovadora e revolucionária, fora dos cânones do neo-realismo e de qualquer escola. Ruy Belo viveu muito atento à passagem do tempo, à efemeridade, à inquietação, à angústia e fez disso poesia, " a minha vida passou para o dicionário que sou".
Da sua obra poética fazem parte "Aquele Grande Rio Eufrates" (1961), "O Problema da Habitação" (1962), "Boca Bilingue" (1966), "Homem de Palavra(s)" (1969), "Transporte no Tempo" (1973), " País Possível "(1973), " A Margem da Alegria" (1974), "Toda a Terra" (1976),"Despeço-me da Terra da Alegria" (1977).
O seu nome ocupa um lugar de excelência na poesia portuguesa da segunda metade do séc. XX. Poesia que não é militante, elaborada com uma linguagem inovadora e revolucionária, fora dos cânones do neo-realismo e de qualquer escola. Ruy Belo viveu muito atento à passagem do tempo, à efemeridade, à inquietação, à angústia e fez disso poesia, " a minha vida passou para o dicionário que sou".
Da sua obra poética fazem parte "Aquele Grande Rio Eufrates" (1961), "O Problema da Habitação" (1962), "Boca Bilingue" (1966), "Homem de Palavra(s)" (1969), "Transporte no Tempo" (1973), " País Possível "(1973), " A Margem da Alegria" (1974), "Toda a Terra" (1976),"Despeço-me da Terra da Alegria" (1977).
A Editorial Presença, com organização e comentários de Joaquim Manuel Magalhães, tem publicada em dois volumes a obra Poética de Ruy Belo. Entretanto, o Círculo de Leitores e a Assírio & Alvim reuniram-na num único volume, publicando-a sob o título de "Todos os Poemas".
Os nossos grandes nem sempre foram reconhecidos cá dentro.Será necessário morrer para que o lugar no retábulo dos talentosos lhes seja atribuído. Que triste ter de abandonar o país da língua que se glorifica em cada palavra , em cada verso , em cada obra que se produz.
ResponderEliminarRuy Belo foi para fora tendo tanto mérito lá dentro.E como ele tantos outros.Ah , país ingrato onde nem Camões escapou.
Concordo inteiramente.País ingrato, país madrast(o).
ResponderEliminarRuy Belo, inesquecível!...
ResponderEliminarRuy Belo!... Possuia uma voz pausada, suave, cansada, acompanhada quase sempre pelo movimento inspiratório, próprio dos doentes crónicos do foro pulmonar. Um olhar manso, solene, algo cismático, que sabia suspender tempos infinitos nos contornos, nos horizontes das coisas, dos objectos, das paisagens. Observador fant+astico... Um olhar disposto a verbalizar através da sua voz poética, da palavra afeiçoada o que o cobria de espanto, o que olhava, o que sentia, o que o esmagava e indignava (por vezes...), e igualmente, o que lhe motivava esperança, luz, sonho, beleza, vida, pois que ele habitava na claridade entre a subtilidade da rosa e o rumor de um barco que sulcava as águas, entre o tempo em que uma árvore espera pelo inverno para despir a folhagem e o infinito das vozes da gente da sua aldeia, dos velhos sentados à soleira das portas, proprietários das lages em que desfaleciam, da sua sempre amada São João da Ribeira. O Ruy!... Escutava o bater vago e espaçado das asas dos pássaros, sentindo versos bailando dentre dele, enquanto a polícia política de Salazar o vigiava, o procurava, lhe seguia os passos, como se ser poeta, abafado pela Ditadura, e sentir os fados maus do seu próprio país fosse um "crime"!... Um dia, sem perspectivas, sem emprego, perseguido, aborrecido, ansiando por ganhar o mundo fora de Portugal emigrou. Porém, o Ruy nunca teve garra, sextilha, pendor para vida emigrante, e muito menos para o exílio!... Regressava sempre mais triste. E a polícia segui-o como o cão segue o dono - passe a expressão dura... - até às consultas médicas, cercando o hospital mesmo quando o via "atado" a uma cama, por se encontrar internado devido ao agravamento da sua doença crónica. Quando naquela "leda e..." alvoroçada madrugada as tropas nas ruas anunciavam Abril, em 74, e rebentavam as algemas que durante tantos anos impedira a Liberdade, quis ir pelas ruas a fora, aldeia a aldeia, cidade a cidade, gritar, gritar a plenos pulmões (ele, cuja voz já custava a ouvir-se, cansada, esgotados os brônquicos constritos...), quis ir dar asas altas à sua alegria, ao seu infindável contentamento... Porém, já não podia fazê-lo com a força, com a tenacidade que desejava! Telefonava aos amigos, acedia aos convites para estar presente nas "manifs", voltava para casa e não dormia, todo ele irradiando alegria, esgotamento físico. Noites memoráveis de alegria e sofrimento. Ruy Belo!... Ele sabia do seu precário estado de saúde, do estado do seu corpo. Mas, a alma, a poesia que dela brotava era saudável, e passava bem, "muito obrigado"!... O Ruy... Desapareceu aos 45 anos de idade. Como é bom lembrá-lo hoje e sempre, como pessoa, como excelência de espírito, como cidadão impoluto, como homem da palavra poética!... O nosso aplauso para todos os que o pretendem nestes dias recordá-lo, quando já há muito "deixou de ser visto", como escreveu Fernando Pessoa!... - V. P.
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