por Marco Neves
“Quem
cresce à beira-mar nem sempre nota quão espantoso é o mar. Mas pensemos numa
pessoa que cresce no interior sem nunca vir ao litoral. Está habituada a terra
firme, a colinas ou montanhas, a rios serenos entre vales e florestas. Se, de
repente, chegar à nossa terra, encontra uma paisagem inundada de água! Como se
a torneira tivesse ficado aberta durante milhões de anos… Um dilúvio que nunca
acabou. Vales, florestas, vulcões, animais — tudo debaixo de água.
Disse
que o mar é espantoso. É espantoso à portuguesa — e à espanhola. À portuguesa,
porque nos deixa de boca aberta. À espanhola, porque é terrível. Quem vive do
mar sabe como se pode transformar numa horrorosa armadilha. Quem navegou ao
longo dos séculos também sabia que podia morrer a qualquer momento. É assim o
mar — mas, enfim, é assim a vida.
De
vez em quando, tenho por hábito mergulhar na origem das palavras. Pois, esta
semana, vou à procura da origem de «mar».
A
nossa palavra vem, sem grandes surpresas, do latim «mare». A palavra latina deu
vários frutos, mas com uma particularidade. «Mar» é palavra masculina em
português, tem os dois géneros em castelhano e em catalão, é feminina em
francês, é masculina em italiano e volta a ser feminina em romeno. Porquê esta
oscilação? É simples: em latim, a palavra era do género neutro — com o
desaparecimento deste, as várias línguas latinas tiveram de arrumar a palavra
num dos géneros que restaram. Os espanhóis não chegaram a decidir-se…
A
palavra latina tem primas! Em alemão, temos «Meer», uma das palavras para
«mar», em paralelo a «See», que já tem uma origem diferente, paralela ao «sea»
inglês. E, sim, o inglês tem «sea» para mar, mas também existe «mere», com a
mesma origem que o «Meer» alemão e o «mar» português. «Mere», no entanto,
significa ‘lago’ e é uma palavra bastante rara.
Há
mais palavras irmãs — ou primas — do nosso mar. No irlandês, podemos chamar
«muir» ao mar. No russo, temos «móre». No sânscrito, a palavra original deu
origem a «maryādā», que significa ‘costa’ ou ‘limite’, num pequeno salto semântico.
Mas,
afinal, de onde vieram as palavras «mar», «Meer», «móre»? Vieram todas da
antiga palavra indo-europeia «*móri», que já significava ‘mar’. Quando olho
para essa palavra — as coisas em que uma pessoa pensa… — só me lembro de «ó
‘môri, dá-me um beijinho!», dito à beira-mar.
Certamente
que «*móri» terá vindo de palavras mais antigas, perdidas no tempo. Afinal — e
agora deixo uma teoria que não é fácil de verificar, mas em que todos
acreditaremos sem dificuldade — não haverá língua humana sem uma palavra para
mar."
Marco Neves | Professor e tradutor.
Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu
livro mais recente é História do Português desde o Big Bang.
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