Gustave Flaubert”, por German Vizulis. |
Neste mês de Dezembro, que finda amanhã, celebra-se o bicentenário de Gustave Flaubert. E tal como Julian Barnes que produziu um livro sobre este grande escritor francês, repetimos: "Por que é que a escrita nos faz procurar o escritor ? Por que é que não o deixamos em paz ? Por que é que os livros não bastam ? Flaubert queria que fosse assim: poucos escritores acreditaram mais na objectividade do texto escrito e na insignificância da personalidade do escritor;" mas mesmo assim desobedecemos e continuamos.
Num dos seus mais originais livros, "Dictionnaire des idées reçues" , (Dicionário das Ideias Feitas), " um conjunto de textos, organizado de forma enciclopédica, sobre clichés e estereótipos que a maioria das pessoas aceita sem questionar , Flaubert atribui ao termo "Gloire" , "un peu de fumée". Mas nada disso aconteceu com Flaubert . A sua glória perdura até hoje , pela beleza da sua escrita, a que se dedicou com afinco e dedicação. Era um virtuoso da palavra. Com um punhado de obras, revolucionou não só a literatura francesa como a mundial do século XIX.
Julian Barnes, nesse magnífico livro " O papagaio de Flaubert" , entre muitas belíssimas páginas sobre Gustave Flaubert , prossegue com o seguinte: "Flaubert ensina-nos a olhar para a verdade e não temer as suas consequências ; ensina-nos , como Montaigne, a dormir na almofada da dúvida; ensina-nos a não nos aproximarmos de um livro em busca de pílulas morais ou sociais : a literatura não é uma farmacopeia ; ensina a superioridade da Verdade, da Beleza, do Sentimento e do Estilo. E se estudarmos a sua vida privada , ensina a coragem, o estoicismo, a amizade; a importância da inteligência , do cepticismo e da imaginação; a palermice do patriotismo barato; a virtude de ser capaz de ficar sozinho no quarto ; o ódio à hipocrisia; a desconfiança nas teorias; a necessidade de falar com simplicidade."
Gustave Flaubert nunca se demitiu da verdade . Tendo consciência das suas contradições , confessa-nos:
"Há em mim, literalmente falando, dois homens diferentes: um que é apaixonado pela retórica, pelo lirismo, pelos altos voos de águia, por todas as sonoridades da frase e por ideias altas; um outro, que vasculha e escava o real tanto quanto pode, que adora mostrar o detalhe de modo tão poderoso quanto o grande facto, e que gostaria de fazer com que sentissem quase materialmente as coisas que ele reproduz."
Algumas Frases de Gustave Flaubert
“O coração das mulheres é como esses móveis secretos, cheios de gavetas escondidas umas nas outras.”
“As paixões desaparecem quando as mantém distantes.”
“O sucesso com as mulheres é geralmente uma marca de mediocridade.”
“Um infinito de paixões pode caber num minuto.”
“Cada notário carrega em si os escombros de um poeta.”
“O futuro nos atormenta, o passado nos retém; é por isso que o presente nos escapa.”
“A felicidade é um mito inventado pelo diabo para nos angustiar.”
“Cuidado com a tristeza. Ela é um vício.”
“Nada é mais humilhante do que ver o tolo vencer naquilo em que fracassámos.”
“Para se ter talento é necessário estarmos convencidos de que o temos.”
“A recordação é a esperança do avesso. Olha-se para o fundo do poço como se olhou para o alto da torre.”
“A medida de uma alma é a dimensão do seu desejo”
Dados biográficos
Gustave Flaubert nasceu a 12 de Dezembro de 1821, em França. O seu nascimento ocorreu no hospital onde seu pai era cirurgião-chefe, na cidade de Rouen. Ainda na infância, em 1829, o escritor conheceu Ernest Chevalier (1820-1887),com quem encetou uma amizade que duraria muitos anos
Em 1832, começou a estudar no Colégio Real de Rouen. No ano seguinte, fez uma viagem com a família à Normandia, Nogent-sur-Marne, Versalhes, Fontainebleau e Paris. Dois anos depois, em 1835, com Chevalier, lançou, no colégio, o jornal manuscrito Art et Progrès.
Conheceu, em 1836, Elisa Schlésinger (1810-1888) por quem se apaixonou. Elisa tinha vinte e seis anos e era casada, enquanto Flaubert era apenas um adolescente. Essa paixão marcou a vida do romancista e, também, a sua escrita. Assim, no final dessa década, escreveu as obras Paixão e virtude e Memórias de um louco.
Em 1841, Gustave Flaubert fez a sua inscrição na Faculdade de Direito de Paris. No ano seguinte, mudou-se para a Cidade Luz, sem entusiasmo pelo curso. Nesse ano, conheceu o amigo Maxime du Camp (1822-1894). Em 1844, teve seu primeiro ataque epiléptico.
O escritor viajou, em 1845, a Provença, Itália e Suíça. Em 1846, teve duas perdas na família, o seu pai morreu e, depois, a irmã do escritor, deixando uma filha, a pequena Caroline. Como o pai da criança, Émile Hamard, enlouqueceu após a morte da esposa, Flaubert ficou responsável pela criação de sua sobrinha.
Nesse mesmo ano, o romancista conheceu a poetisa Louise Colet (1810-1876), separada do marido e mãe de uma jovem de 16 anos, amante do filósofo Vitor
Cousin, iniciando um romance com ela. Dessa relação nasce uma abundante
correspondência, publicada em livro, hoje considerada essencial para o estudo
da vida e obra de Flaubert. São 281 cartas de Flaubert a Louise Colet. As cartas de Louise desapareceram quase todas, talvez queimadas por Flaubert. Nesta relação entre os dois, existiram dois períodos. As cartas do segundo período é contemporânea da redacção de Madame Bovary. Lêem-se como um diário da obra em curso, ora como um modo de produção ora como uma reflexão teórica.
No fim de 1849, o escritor viaja com Maxime du Camp. Será uma viagem memorável ao Oriente . Conhecem o Egito, Palestina, Constantinopla, Síria e, na Europa, Grécia e Itália. Dessa viagem resultará o romance Salambô. Flaubert regressou a França em 1851 . Trabalha já na que há-de ser a sua obra-prima absoluta: Madame Bovary
Após quatro anos e meio de trabalho, em 1856, o autor terminou o seu romance que foi publicado na Revue de Paris, por Laurent Pichat e Maxime Du Camp, em folhetim, como era frequente na época. Apesar de alguns cortes, como a cena do fiacre, em que Emma se entrega ao amante Léon, a obra foi recebida com indignação pelas autoridades francesas . Entretanto, Flaubert não deixara de protestar contra os cortes efectuados na edição do seu texto. Considerado como um atentado mordaz e depravado ao valor do casamento. Emma é uma mulher romântica que, ao casar-se com o médico Charles Bovary, não consegue encarar a realidade monótona de um casamento burguês. O marido é incapaz de lhe oferecer as aventuras de um livro romântico. Ela vive, então, uma vida tediosa e sem nenhum encantamento. “Seria que aquela miséria duraria para sempre? Não haveria maneira de lhe fugir? Contudo, ela achava que valia tanto como todas as outras que viviam felizes! Vira em Vaubyessard duquesas com a cintura mais grossa e os modos mais vulgares e vociferava contra a justiça de Deus; encostava a cabeça às paredes para chorar; invejava as existências tumultuosas, as noites de máscaras, os prazeres insolentes com todos os delírios que deviam provocar o que ela não conhecia.”(Emma ,em Madame Bovary).
A 7 de Fevereiro de 1857, Flaubert , a Revista e o seu editor são julgados pelos crimes de atentado contra a moral pública e bons costumes. Após um julgamento retumbante são absolvidos. Em Abril de 1857, o editor Michel Lévy, com quem Flaubert asssinara um contrato de 800 francos, publica, com sucesso, Madame Bovary. As vendas são importantes , quinze mil exemplares são vendidos em Junho. Gustave Flaubert torna-se célebre.
No ano de 1863, a escritora George Sand (1804-1876) escreve um artigo sobre o novo romance de Flaubert: Salambô. Tornam-se grandes amigos. No ano seguinte, a sobrinha Caroline casa-se. Em 1866, o escritor foi condecorado como Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra. Anos depois, em 1873, a sua saúde começou a ficar precária.
Nesse mesmo ano, começou a corresponder-se com o escritor Guy de Maupassant (1850-1893), que se tornou uma espécie de seu discípulo. No ano seguinte, passou um tempo na Suíça, por ordens médicas. Já em 1875, teve de vender uma propriedade em Deauville para ajudar o marido de sua sobrinha, que estava com dificuldades financeiras.
Quatro anos depois, em 1879, o autor sofreu um acidente e teve uma fractura. Além disso, também enfrentava problemas financeiros. Morreu a 8 de Maio de 1880, em Croisset, devido a um derrame cerebral. Deixou o seu romance Bouvard e Pécuchet inacabado.
Memórias de um louco (1838)
Novembro (1842)
Madame Bovary (1856)
Salambô (1862)
A educação sentimental (1869)
As tentações de Santo António (1874)
Três contos (1877)
Bouvard e Pécuchet (1881)
Dicionário das Ideias Feitas (1913)
A par da obra ficcional, Gustave Flaubert tem uma abundante correspondência que enche tantas páginas como a sua obra editada. São cartas literárias assinadas por Flaubert em que se fala mais de literatura que do tempo; vê-se viver um homem de letras , absoluto, em que o sofrimento e a força, para o essencial, o seguram à escrita.
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