Há triunfos que só se conseguem pelo preço da alma, mas a alma é mais preciosa que todos os triunfos.
Rabindranath Tagore
“Todos nós os conhecemos, os que vendem diariamente a alma ao diabo, para receberem mais uma honra, um prémio, um título, um penduricalho, uma homenagem. A caça ao triunfo é um desporto que abunda por aí. Discípulos do Rastignac, de Balzac, atropelam tudo e todos, denigrem aqui, autopromovem-se além, lisonjeiam acolá, prometem, ameaçam, namoram, prostituem-se, porque sabem que, não havendo verdadeiro mérito ou havendo-o diminuto, os caminhos para a glória são outros: duros, trabalhosos, obstinados, enviesados, torpes, se necessário, gastando nisso uma energia nervosa que teria podido ser melhor empregue, trabalhando mais e intrigando menos.
Na classe dos escritores, este tipo de esforçado puxador de cordelinhos, que alterna entre a manipulação subtil e o esticão grosseiro, que usa as graças sociais mas não desdenha, ocasionalmente, o pontapé boçal, encontra-se por todo o lado, mas alguns atingem, nisso, um apuramento genial, que de todo lhes falta na obra que assim promovem.
Somerset Maugham, homem amargo e cínico, mas exímio observador das bizarrias humanas, escreveu, sobre estes manipuladores incansáveis da própria glória, um romance admirável: CAKES AND ALE, que recomendo calorosamente aos nossos aspirantes à glo-glória, como exaustivo manual de operações que lhes afine a técnica de que precisa a sua desmedida ambição. Nada se ensina melhor, nesse romance perfidamente analítico, do que a arte de esconder uma ambição devoradora por detrás de uma falsa humildade. Tartufos consumados, vestem os vícios com os trajos das virtudes e, depois de se servirem dos outros como seus servidores e promotores, dão-se ares de nada daquilo lhes dizer respeito, fazendo-se muito surpreendidos por uma honra afinal buscada e arrancada sem elegância. No mundo da escrita, como no mundo da religião, como no mundo das universidades, raramente sopra o vento do sagrado. São mundos darwinianos, em que triunfam, frequentemente, não os mais fortes, mas os mais desmunidos de escrúpulos. Conheci e conheço alguns destes exemplares, que habitam o meu zoo privativo. Tenho a certeza de que povoam também o jardim zoológico de La Bruyère. Mas não estou agora com pachorra para o ir confirmar. Molière também os não deixou escapar, marcando-os, para a eternidade, com o ferrete mordente do seu génio.”
Eugénio Lisboa, 11.12.2021
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