Talento é acertar um alvo que ninguém acerta. Genialidade é acertar um alvo que ninguém vê.
Arthur Schopenhauer
Celebrar a vida de Eugénio Lisboa é celebrar a Cultura. Ano após ano, não cessa de surpreender pela beleza e largueza com que semeia Cultura. A sua obra, nunca acabada, é um repositório magnânimo e um manual precioso de como se deve fazer Cultura, em qualquer parte do mundo. Portugal tem nele o obreiro mais insigne e engenhoso da actualidade.
Ler Eugénio Lisboa é descobrir a transcendente magia da Literatura.
Ouvir Eugénio Lisboa é viajar por um mundo cheio de inesperados assombros que nos deslumbra e desassossega.
Conhecer Eugénio Lisboa é verificar como a simplicidade, a humildade vestem sempre um grande Homem.
A sabedoria tem nele uma vantagem: a partilha. Dá-no-la em doses gigantescas , espalhando-a por sumptuosos ensaios, magníficas crónicas, extraordinárias intervenções, valiosos livros e na imperdível e rica obra memorialística, registada em seis volumes, com data prevista para novo volume, no próximo Outono.
Todos os títulos das obras de Eugénio Lisboa são ricos e sugestivos. Requisita-os com argúcia e apropriação que só um espírito sagaz e culto sabe fazer.
" Acta Est Fabula " é o título da vasta obra onde a memória se estende. Dos idos tempos de Lourenço Marques a S. Pedro de Estoril, a voz de Eugénio Lisboa faz a narração de uma vida singular: a sua. Com ela,atravessamos quase um século de descoberta e de encontros com vultos importantes da Literatura Nacional e Universal. Mas é Eugénio Lisboa que nos toca, que nos ensina como se constrói uma vida aberta à aprendizagem, ao conhecimento.
Eça de Queiroz, o notável autor de "Os Maias", afirmava: Não tenha medo de pensar diferente dos outros, tenha medo de pensar igual e descobrir que todos estão errados!
Eugénio Lisboa não teve medo de o fazer. Nunca pensou igual. Fê-lo diferente e proficuamente.
A nós ,cumpre agradecer-lhe por ter praticado a diferença ao produzir uma obra que nos faz mais felizes e igualmente mais sábios.
VIAGEM
Eugénio Lisboa não teve medo de o fazer. Nunca pensou igual. Fê-lo diferente e proficuamente.
A nós ,cumpre agradecer-lhe por ter praticado a diferença ao produzir uma obra que nos faz mais felizes e igualmente mais sábios.
E, porque homenagear um autor é celebrar a sua obra, transcrevemos um excerto do segundo volume das suas Memórias, Acta Est Fabula.
A nossa homenagem, hoje e sempre, Eugénio Lisboa.Lourenço Marques |
VIAGEM
“Aparentes senhores de um barco abandonado,
nós olhamos, sem ver, a longínquas miragens.
Aonde iremos ter? [...]
David Mourão-Ferreira, A Secreta Viagem
Saído o velho navio da barra, encontrámo-nos
no dorso imperioso do Índico. O barco estava decrépito e em breve viríamos a
saber que deveria ser a sua última viagem ou uma das últimas, antes de ir para
a sucata.
A viagem que, havia muito, me fora prometida,
tinha começado, deixando para trás, intoleravelmente, a Lourenço Marques da
minha infância e adolescência de descobertas e espantos. Esta não era apenas a
minha maior viagem: era, na realidade, a minha primeira viagem. As que antes fizera – entre Lourenço Marques e
Porto Amélia, no norte de Moçambique – tinham ocorrido em idades de que não
guardo memória. Tirando modestas excursões – não frequentes – à Namaacha, a
poucas dezenas de quilómetros de Lourenço Marques, vivera sempre na minha
cidade natal. Joanesburgo, na África do Sul, era só para os mais ou menos
endinheirados. Fora também a Marracuene – a trinta quilómetros – e à Catembe,
do outro lado da baía. Viagens, portanto, só as da imaginação e as das leituras
intensas dos grandes autores que ia descobrindo. Das páginas dos romances de
Anatole France e Roger Martin du Gard, vislumbrara Florença e Paris, como, das
páginas de Lawrence e das irmãs Brontë, entrevira paisagens inglesas, ou, das
de Thomas Mann, pedaços da Alemanha, ou, com Pirandello e D’Annunzio, penetrara
em cidades e vilas de Itália. Era também um modo de viajar – a partir da janela
do meu quarto, na casa da Rua Mendonça Barreto. Já falei de tudo isto, no 1.º
volume destas minhas memórias. E só o repito aqui, porque serve de fio condutor
ou de ponte entre um livro publicado há três anos e este que agora tento
redigir.
O ano em que esta viagem se iniciava
era o de 1947, o mês, Setembro, e o dia, 10. Fazia um sol forte em cima do
convés do “Nova Lisboa”: paisagem de ferragens desarrumadas, velha e
desgastada, quase pelintra, a assinalar, de modo incompetente e desastrado, o
que eu sonhara glorioso: o dia do começo da minha antecipada odisseia. Tudo era
negativo: o cheiro da comida vomitada no convés por alguns dos meus companheiros
de viagem, acometidos do enjoo provocado pela vaga larga do oceano; a
decrepitude da nau; o meu próprio enjoo. Um deles, mais afoito, resolveu,
temerariamente, curar o mal de forma radical (mordedura de cão cura-se com pelo
do mesmo cão): após a agonia do vómito, voltou à sala do almoço e repetiu a
refeição. A teimosia surtiu efeito.
Eu recusei simplesmente ingerir fosse
o que fosse e fiquei-me a olhar, desamparado, para a desolação do convés do
navio, a que nem o Sol dava vida: todos os meus sonhos desfeitos, na amargura
fétida daquele palco indigno de tantas esperanças longamente alimentadas e
acarinhadas. Foi a primeira e funda desfasagem, por mim sentida, entre o sonho
e a realidade. Sentia-me pavorosamente logrado: o navio era uma paisagem hostil,
feia, quase infame, indigna de tão ínclitos sonhos.”
Eugénio Lisboa, in Acta Est Fabula, Memória-II-Lisboa,
(1947-1955), Editora Opera Omnia, Out. 2016, pp. 15,16
Meu caro Eugénio,
ResponderEliminarHomem de eclético saber, culto, memso muito culto, amigo de citações e aforismos, Regiano como já não existe nenhum, e amigo do seu amigo, e dotado de uma simplicidade estóica e engenhosamente bela e sábia.
Parabéns!
mesmo senhor de um profundo desgosto, lembre-e que a vida é para esgotar, a vida continua.
Abraço demorado...