quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A tragédia é real

El Coloso, 1808 - 1812, Óleo sobre tela,116 cm × 105 cm
 Museu do Prado, Madrid

9.02.2016
O dia começou com o anúncio de um choque de comboios, na Alemanha. Entretanto, já tinham passado imagens dos refugiados que chegam à ilha de Lesbos. Não há um  dealbar de um dia que não seja trágico. Uma tragicidade medonha porque diz respeito ao Homem. Anunciar mortes  parece ser a primeira função dos órgãos de comunicação social. E a força das imagens é tão forte que nos faz asfixiar. Uma dor que  pesa e sufoca. Mas, para alguns, toda esta frequência vai redundar em banalização do sofrimento. O horror passa a conviver com o homem, em quase normal e natural parceria. E quando isso acontecer , está instalada uma sociedade anestesiada, imune  e indiferente ao que vai para lá do bairro, da Praça , da Rua, da própria casa. No entanto, a tragédia é real. Acontece. Trata-se de gente que tem nome. Que existe.
“Um grande pensador do nosso tempo disse uma vez que todo o homem pode conhecer, dentro de sua casa, tudo aquilo que vale a pena conhecer. A beleza, o amor, o sentido da dor e da morte, a inocência e a culpa – cada pessoa, cada objecto, cada quarto contém o que o mundo lá fora possui. “
Quando o afirmou não pensou , certamente, em alguns noticiários e programas televisivos. Naqueles que,   além de naturais anúncios, exploram os acontecimentos,  repetida e panoramicamente, em imagens servidas  ,  em doses brutais. O  mal, a desgraça, a dor, os cataclismos que atingem o homem são a matéria , a essência. Um número infindável de vítimas compõe qualquer mediático ramalhete fúnebre.
O repúdio que implode, perante tanta repetição, acaba por ser defensivo. A dor não pode preencher as grelhas de programações diárias e invadir a casa de cada um. Coarcta  o natural desejo de informação, de saber do mundo, do país , das gentes.
Se o Zika é a praga do momento e a mais recente ameaça mundial, não há noticiário que não exiba um mosquito, em lente macroscópica, que nem o  insecto do célebre livro A Metamorfose de  Kafka se agiganta tanto. E ver um insecto pernicioso invadir a casa, o sonho de refúgio protector, de território privado  quase se esboroa. O remédio é, ou será, desligar aquele aparelho assustador  que tanto sofrimento provoca.
Os crimes passionais, aqueles, que na voz do povo, não passam de crimes de faca e alguidar, são estrelas maiores . Constantes e abundantes, acontecem nos lugares mais recônditos, perpetrados com estranha e original arte. A descrição é minuciosa e com apurados zooms dos vestígios e das armas do crime. A vítima ou o agressor só aparecem quando a sorte é grande. Então, as reportagens adquirem um fôlego atlético. São para durar, enquanto não houver crime, desgraça, malvadez maior para vencer.
E se a matéria da desgraça é preciosa, a matéria da governação confunde. São imagens deprimentes que debitam palavras a altos governantes de um recente empossado governo. Um orçamento que viajou entre Bruxelas e Lisboa e que nos  degraus do acordo interpartidário se vai estatelando. E , de repente, todos nós, mediana classe  de uma sociedade empobrecida, descobrimos que somos ricos e privilegiados.
Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi.
MJVS, 9.02.2016

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