Apresenta-se um texto em prosa, extraído de um livro de poesia de Eugénio de Andrade, que vem reafirmar a riqueza e a elegância com que este grande poeta maneja a palavra. O amor em celebração nas madrugadas da vida.
PRIMEIRAMENTE
"Acordo sem o contorno do teu rosto na minha almofada, sem o teu peito liso e claro como um dia de vento, e começo a erguer a madrugada apenas com as duas mãos que me deixaste, hesitante nos gestos, porque os meus olhos partiram nos teus .
E é assim que a noite chega, e dentro dela te procuro, encostado ao teu nome, pelas ruas álgidas onde tu não passas, a solidão aberta nos dedos como um cravo.
Meu amor, amor de uma breve madrugada de bandeiras, arranco a tua boca da minha e desfolho-a lentamente, até que outra boca - e sempre a tua boca - comece de novo a nascer na minha boca.
Que posso eu fazer senão escutar o coração inseguro dos pássaros, encostar a face ao rosto lunar dos bêbados e perguntar o que aconteceu."
Eugénio de Andrade, in "As Palavras Interditas", Ed. Assírio & Alvim
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