A
praia quase deserta
a
manhã despertando na luz dos elementos
o
céu e o mar buscando os seus azuis
as
águas que se iluminam lentamente
o
vôo preguiçoso das gaivotas
a
serenidade de uma vela na distância
as
ondas que se quebram mansamente
o
enigma dessa paz que só o mar nos concede.
Meus
olhos perscrutam o impossível
na
invisível beleza marítima da vida.
Minha
alma penetra no âmago majestoso da paisagem
e
viaja longamente pelo instante mágico do tempo.
Mar,
imenso mar
meu
olhar flutua na imobilidade do teu corpo iluminado
nestas
canoas batidas pela luz ao largo da baía
nestes
pescadores curtidos pelo sol e pelo azul
a
recolher, de longe em longe, seus frutos de escamas coloridas.
Beijo-te
na salgada madeira destes barcos recolhidos,
te
abraço no velho homem remendando sua rede.
Caminho
neste estuante cenário de água e areia
recordo-me
menino neste banquete de espumas flutuantes
na
frescura das ondas que morrem aos meus pés
mergulho
no teu ritmo
e
danço contigo no encanto desta valsa milenar.
Atlântico,
meu Atlântico
águas
que não conheço nas distâncias do horizonte
esse
mar visto apenas das areias
da
foz exuberante das correntes
da
barra destes rios que tu acolhes
águas
fundas, águas rasas
águas
doces que cruzei.
Recortados
litorais do sul
meu
norte
minha
praia
meu
idioma açoriano
meu
salgado fruto
minha
fritura, meu peixe, meu pirão
roteiro
prematuro dos meus passos
itinerário
incansável em meus pés descalços
íntimos
recantos de baías e enseadas
antigo
esconderijo dos corsários
história
nas estórias de velhos habitantes.
Mar,
imenso mar
planície
total e palpitante
miragem e sedução
misteriosa superfície
nos caminhos do destino
o
mar de todas as proas
esse
território dos meus sonhos.
Navegar,
não naveguei...
as
águas do Titicaca foram minha gota de oceano no alto da Cordilheira
navegar
como quisera navegar, nunca naveguei...
rota
costeira de Quayaquil à Callao,
minha
única travessia
meu
mar sem horizontes
minha
comovida migalha de aventura.
Curitiba, Março de 2004
Manoel
de Andrade, in “Cantares”, Editora Escrituras, São Paulo, 2007
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