Islândia:Cultura para sair da crise
A Islândia não se rege pela austeridade. Em quatro anos, teceu um “New Deal” artístico que transformou a cultura no segundo sector com mais peso no PIB, com um impacto à volta dos mil milhões de euros por ano. O país apresenta uma taxa de desemprego de 5,7% e um crescimento de 3% e consegue oferecer outras alternativas para além das puramente bancárias.
Por Daniel Verdú
Hoje, a taxa de desemprego é de 5,7% e o país cresce a um ritmo de 3%. É verdade que a moeda foi desvalorizada e se evitou o resgate aos bancospagando-se a dívida externa. Mas grande parte desta prosperidade também se deve a esta estratégia do New Deal artístico. E tudo pode alterar-se no próximo dia 27 de Abril, quando a Islândia realizar as primeiras eleições depois de o país ter começado a superar a crise. A memória é curta. O partido conservador, que se manteve a governar quando tudo o resto soçobrou (a Bolsa chegou a cair 90% e o PIB desceu 7%), é hoje o favorito nas sondagens. A coligação formada pelo Partido Verde e os social-democratas, a que pertence a primeira-ministra Jóhanna Sigurdardóttir (a primeira mulher a ocupar este cargo), tem uma tarefa difícil pela frente. A titular da pasta da Cultura, Katrín Jakobsdóttir, o rosto mais carismático, não esconde isso mesmo. Recebe El País e analisa o seu mandato, simbolicamente empenhado na construção do espectacular Harpa, um incrível auditório no porto de Reiquiavique, que se avista do seu gabinete. Quando a crise chegou, a construção parou. A ministra empenhou-se em transformá-lo numa metáfora do que tinha entre mãos: criar riqueza fomentando as artes.
Cultura como factor económico importante
“Vemos a cultura como base das indústrias criativas, uma parte cada vez mais importante da nossa economia. Quando me nomearam para o Ministério, encarei o meu mandato como uma questão de sobrevivência. E é isso que pretendo que as pessoas compreendam: a cultura é um factor económico muito importante. O dinheiro que este sector gera iguala o de toda a indústria do alumínio.O Governo fez cortes estruturais. Reduziu ministérios e gastos fixos. Mas aumentou o investimento em projectos culturais independentes. Uma mistura de tecido público/privado muito ágil mas que, de modo algum, implica a renúncia do Estado na gestão da cultura e da educação.Há música por todo o lado. Oitenta por cento dos jovens (sobretudo nas pequenas povoações) estuda um instrumento e solfejo, e isso traduz-se em dezenas de bandas com prestígio internacional. A paisagem continua a ser o primeiro pólo de atracção de turistas. Mas, segundo dados recentes, 70% dos jovens são actualmente atraídos pela música. Esse facto já era conhecido em 2006, quando se criou o serviço de exportação musical do país, dirigido por Sigtryggur Baldursson, ex-baterista dos Sugar Cubes, a banda com a qual Björk começou a sua carreira e graças à qual teve início a lenda da sonoridade islandesa. Segundo este organismo, no ano passado, 43 bandas actuaram fora da Islândia. Paralelamente, a indústria de software e de videojogos cresceu exponencialmente. “É uma área relacionada com a cultura e emprega muita gente deste sector, como é o caso dos ilustradores”, explica a ministra. No cinema, há uma nova lei que reembolsa o custo de qualquer filme rodado na Islândia aos produtores. Ridley Scott rodou Prometheus [Prometeu] no país, e Darren Aronofsky fez o mesmo com A Arca de Noé.
Grupos de trabalho e um Ministério de Ideias
No meio da euforia e do livre acesso ao crédito, muita gente disse que este seria o único caminho possível para a Islândia. Andri Magnason publicou, em 2006, Dreamland: A self-help manual for a frightened nation. [Terra de sonho: Um manual de auto-ajuda para uma nação assustada, não traduzido em português] Um livro onde denuncia um modelo económico baseado no dinheiro fácil da especulação. “Durante os anos de prosperidade, o Governo concentrou esforços na expansão dos bancos, do alumínio e da energia hidráulica que estava a destruir a natureza. Havia quem quisesse ver uma economia baseada na criatividade e não no dinheiro fácil.” Estabeleceu-se então uma estranha aliança entre os protectores da natureza e “os crânios dos computadores”, recorda Magnason.
Björk e outras figuras-chave da ilha ficaram atentas. “Quando a crise chegou, havia um movimento de raiz onde estavam envolvidos muitos jovens.” Criaram-se grupos de trabalho no que viria a chamar-se Ministério de Ideias, uma antiga fábrica nas imediações de Reiquiavique. Mas Magnason reconhece o papel importante do Governo. “Apareceram mais teatros, o mercado literário floresceu (60 escritores têm apoio um ano inteiro), a produção cinematográfica aumentou e o mesmo aconteceu na cena musical. E todo este apoio repercute-se na economia. As artes não são um projecto paralelo da boa economia, estão na base do seu estado de saúde.” E por que motivo pensam as pessoas votar outra vez no partido conservador? “Têm saudades dos seus Range Rover”, explica o músico Ólafur Arnalds num café de Reiquiavique.
Persiste igualmente a dúvida se este modelo seria exportável para países como Espanha e Itália, com 150 vezes mais habitantes e onde os problemas económicos também registam esta proporção. Magnason acha que sim. “Pode aplicar-se à maioria dos países. O problema na Europa, especialmente em Itália e Espanha, é haver tanta gente nova sem ocupação, ou numa situação invulgar, com um Governo e uma indústria incapazes de definir o seu papel. Assim, nunca irão usar toda a sua criatividade.” Talvez seja preciso tocar ainda mais no fundo." El País, 22/03/13
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