Outro dia
Ontem,
cansada,
cansada,
cheguei a
casa,
à noite.
O céu estava
limpo.
Cheguei à
porta e olhei,
antes de
entrar.
Lá em baixo,
nem perto nem
longe,
no escuro,
luziam uns
pingos…
Caíam rectos
e brilhantes
na água…
Deixavam um
rasto!
Os meus olhos
riram,
vendo-os
imobilizaram-se.
E tive
desejos
de seguir
pelas ruas,
de cabeça no
ar,
com um riso
parado…
Mas subi as
escadas.
Lisboa
1935
Irene Lisboa,
“um dia e outro dia…. “, in “ Obras de Irene Lisboa” - Vol.I, organização
de Paula Mourão, Editorial Presença,
1991
Pensamentos tidos num sótão
1
E eu disse-me a mim mesma,
naquele dia casual:
Sim,
em cada livro
ou em cada folha que encheres
assinala a tua mudança!
Não é o fato das pintinhas,
com que te vêem
e já te viram,
o que melhor te veste...
Nem o teu gesto irritado,
nem tão-pouco o abatido
que mais te individualizam.
Vai! Vai seguindo,
indiferente e fiel,
pelo fino traço do teu capricho,
um traço solto,
mas severo e sincero...
E assim,
depois das mais breves
e das mais resumidas frases,
do teu laconismo mais acre,
alaga-te em palavras.
Abre-te em palavras!
Que as palavras às bagoadas
te serenem e reconfortem.
Embora não valham nada!
Palavras!
Matilha desordenada e feliz,
lançada atrás de uma pista,
excitante e enganosa...
E eu disse-me a mim mesma,
naquele dia casual:
Sim,
em cada livro
ou em cada folha que encheres
assinala a tua mudança!
Não é o fato das pintinhas,
com que te vêem
e já te viram,
o que melhor te veste...
Nem o teu gesto irritado,
nem tão-pouco o abatido
que mais te individualizam.
Vai! Vai seguindo,
indiferente e fiel,
pelo fino traço do teu capricho,
um traço solto,
mas severo e sincero...
E assim,
depois das mais breves
e das mais resumidas frases,
do teu laconismo mais acre,
alaga-te em palavras.
Abre-te em palavras!
Que as palavras às bagoadas
te serenem e reconfortem.
Embora não valham nada!
Palavras!
Matilha desordenada e feliz,
lançada atrás de uma pista,
excitante e enganosa...
2
Olhos novos,
meus olhos novos,
sempre ingénuos e sempre imprevidentes,
colhei impressões,
uma a uma, uma a uma,
como se fossem flores...
E virai-vos para cima, para o ar.
O ar, a eterna surpresa!
Linda coisa!
A sua cor...
Posso não ter nada
e não tenho,
nem desejos, nem sonhos,
mas tenho o ar!
Este fino ar,
que cobre todos os telhados...
O ar!
3
Coração robusto,
hostil e robusto,
que queres quebrar e enfraquecer,
em ti há
não sei que dureza profunda,
que febra,
que lucidez e que violência
que sempre te sustentam!
A cada momento te fechas
como uma ardente flor ferida...
Robusto coração sem consolo,
grosseiro novelo sem ponta!
Mundo, afinal...
Mundo,
força débil e improfícua
mas indestrutível.
Irene Lisboa com o pseudónimo de João Falco, in “Folhas Soltas da Seara Nova (1929-1955), Antologia, Prefácio e Notas de Paula Morão, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986 – Biblioteca de Autores Portugueses
Sem comentários:
Enviar um comentário