Nesta hora
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida
O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção –
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste
20 de Maio de 1974
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “ O Nome das Coisas, 1977”, Obra poética III, 2ª Edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1996
Nesta hora limpa da verdade é preciso dizer a verdade toda
Mesmo aquela que é impopular neste dia em que se invoca o povo
Pois é preciso que o povo regresse do seu longo exílio
E lhe seja proposta uma verdade inteira e não meia verdade
Meia verdade é como habitar meio quarto
Ganhar meio salário
Como só ter direito
A metade da vida
O demagogo diz da verdade a metade
E o resto joga com habilidade
Porque pensa que o povo só pensa metade
Porque pensa que o povo não percebe nem sabe
A verdade não é uma especialidade
Para especializados clérigos letrados
Não basta gritar povo é preciso expor
Partir do olhar da mão e da razão
Partir da limpidez do elementar
Como quem parte do sol do mar do ar
Como quem parte da terra onde os homens estão
Para construir o canto do terrestre
- Sob o ausente olhar silente de atenção –
Para construir a festa do terrestre
Na nudez de alegria que nos veste
20 de Maio de 1974
Sophia de Mello Breyner Andresen, in “ O Nome das Coisas, 1977”, Obra poética III, 2ª Edição, Editorial Caminho, Lisboa, 1996
Continua a ser necessário "dizer a verdade toda", como Sofia tão bem escreveu a 20 de Maio de 1974... Hoje, mais do que nunca!... Porque raras vezes no nosso passado andámos tão equivocados, de embuste em embuste, de parcela em parcela, cabisbaixos e sumidos, como agora no negrume destes dias vãos, anestesiados, inúteis, porque a voz do povo, a verdadeira, a autêntica voz ainda não se fez ouvir!... E esperemos que não tarde, para não ser tarde demais!...
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