quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

O Fim do Mundo



"A primeira vez que ouvi falar no fim do mundo, o mundo para mim não tinha nenhum sentido, ainda; de modo que não me interessava nem o seu começo nem o seu fim. Lembro-me, porém, vagamente, de umas mulheres nervosas que choravam, meio desgrenhadas, e aludiam a um cometa que andava pelo céu, responsável pelo acontecimento que elas tanto temiam.
Nada disso se entendia comigo: o mundo era delas, o cometa era para elas: nós, crianças, existíamos apenas para brincar com as flores da goiabeira e as cores do tapete.
Mas, uma noite, levantaram-me da cama, enrolada num lençol, e, estremunhada, levaram-me à janela para me apresentarem à força ao temível cometa. Aquilo que até então não me interessava nada, que nem vencia a preguiça dos meus olhos pareceu-me, de repente, maravilhoso. Era um pavão branco, pousado no ar, por cima dos telhados? Era uma noiva, que caminhava pela noite, sozinha, ao encontro da sua festa? Gostei muito do cometa. Devia sempre haver um cometa no céu, como há lua, sol, estrelas. Por que as pessoas andavam tão apavoradas? A mim não me causava medo nenhum.
Ora, o cometa desapareceu, aqueles que choravam enxugaram os olhos, o mundo não se acabou, talvez eu tenha ficado um pouco triste - mas que importância tem a tristeza das crianças?
Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo. Não duvido de que o mundo tenha sentido. Deve ter mesmo muitos, inúmeros, pois em redor de mim as pessoas mais ilustres e sabedoras fazem cada coisa que bem se vê haver um sentido do mundo peculiar a cada um.
Dizem que o mundo termina em Fevereiro próximo. Ninguém fala em cometa, e é pena, porque eu gostaria de tornar a ver um cometa, para verificar se a lembrança que conservo dessa imagem do céu é verdadeira ou inventada pelo sono dos meus olhos naquela noite já muito antiga.
O mundo vai acabar, e certamente saberemos qual era o seu verdadeiro sentido. Se valeu a pena que uns trabalhassem tanto e outros tão pouco. Por que fomos tão sinceros ou tão hipócritas, tão falsos e tão leais. Por que pensamos tanto em nós mesmos ou só nos outros. Por que fizemos voto de pobreza ou assaltamos os cofres públicos - além dos particulares. Por que mentimos tanto, com palavras tão judiciosas. Tudo isso saberemos e muito mais do que cabe enumerar numa crônica.
Se o fim do mundo for mesmo em Fevereiro, convém pensarmos desde já se utilizamos este dom de viver da maneira mais digna.
Em muitos pontos da terra há pessoas, neste momento, pedindo a Deus - dono de todos os mundos - que trate com benignidade as criaturas que se preparam para encerrar a sua carreira mortal. Há mesmo alguns místicos - segundo leio - que, na Índia, lançam flores ao fogo, num rito de adoração.
Enquanto isso, os planetas assumem os lugares que lhes competem, na ordem do universo, neste universo de enigmas a que estamos ligados e no qual por vezes nos arrogamos posições que não temos - insignificantes que somos, na tremenda grandiosidade total.
Ainda há uns dias para reflexão e arrependimento: por que não os utilizaremos? Se o fim do mundo não for em Fevereiro, todos teremos fim, em qualquer mês..."
Cecília Meireles, in "Quatro Vozes", Distribuidora Record de Serviços de Imprensa - Rio de Janeiro, 1998

2 comentários:

  1. O chamado fim do mundo, tal como o seu começo, sempre foram enigmas que alimentam a fantasia das pessoas e provocam ansiedade, depressão, e neuroses fóbicas em muita gente. Todos terão à sua hora própria e ao seu tamanho o tal "fim do seu mundo". Biologicamente, claro... Primeiro o choque da notícia da sua morte e aqueles que fransem o nariz "- Que chatice!...", quando a morte era - de tudo - o mais certo e o mais esperado, depois, bem, depois a maçada do velório, todo aquele falatório e arrastar sem sentido,que se quer curto no tempo e no espaço, a seguir a trágica viagem para a cremação ou para um qualquer gavetão ou catacumba no cemitério, e depois ainda, as lágrimas choradas e apenas lembrado nas datas do seu nascimento e da sua morte, e a vida correndo..., se transformando e por fim, o esquecimento total. E... fazia tanta falta, que o esqueceram rápido, pois de tristezas e incómodos estamos todos fartos! Quem morre - por vezes - há muito tempo que já estava morto para os mais! Noutros casos é "necessário" morrer mais do que uma vez com certidão de óbito assinada pelo médico para os outros acreditarem... Ufa!... Tanta náusea e tanto esforço, para uma passagem bem simples e fácil. O passamento de alguém!... Todos ganham com a nossa própria morte, menos nós. Simplesmente porque esses todos nessa preciosa data cá continuam... E isso - para eles - é já uma pequenina vitória, embora temporária, apenas.

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  2. Tanto o fim do mundo como o seu começo é uma incógnita, visto que nunca descobriremos com clareza o que foge a compreensão humana, limitada. Teorias, enigmas, achismos e muito mais, provocam divagações que assumem proporções profundas e qual seja a verdade(??????) é uma busca constante. A morte, certeza de todos os viventes, morremos diariamente um pouco.

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