quarta-feira, 7 de setembro de 2011

No meu País

MORTE AO MEIO-DIA

No meu país não acontece nada
à terra vai-se pela estrada em frente
Novembro é quanta cor o céu consente
às casas com que o frio abre a praça

Dezembro vibra vidros brande as folhas
a brisa sopra e corre e varre o adro menos mal
que o mais zeloso varredor municipal
Mas que fazer de toda esta cor azul

que cobre os campos neste meu país do sul?
A gente é previdente cala-se e mais nada
A boca é pra comer e pra trazer fechada
o único caminho é direito ao sol

No meu país não acontece nada
o corpo curva ao peso de uma alma que não sente
Todos temos janela para o mar voltada
o fisco vela e a palavra era para toda a gente

E juntam-se na casa portuguesa
a saudade e o transístor sob o céu azul
A indústria prospera e fazem-se ao abrigo
da velha lei mental pastilhas de mentol

Morre-se a ocidente como o sol à tarde
Cai a sirene sob o sol a pino
Da inspecção do rosto o próprio olhar nos arde
Nesta orla costeira qual de nós foi um dia menino?

Há neste mundo seres para quem
a vida não contém contentamento
E a nação faz um apelo à mãe,
atenta a gravidade do momento

O meu país é o que o mar não quer
é o pescador cuspido à praia à luz
pois a areia cresceu e a gente em vão requer
curvada o que de fronte erguida já lhe pertencia

A minha terra é uma grande estrada
que põe a pedra entre o homem e a mulher
O homem vende a vida e verga sob a enxada
O meu país é o que o mar não quer


Ruy Belo, in “Boca Bilingue” (1966)

RUY BELO, poeta e ensaísta, nasceu em São João da Ribeira, Rio Maior a 27 de Fevereiro de 1933 e morreu em Queluz a 8 de Agosto de 1978. O seu nono e último livro de poesia," Despeço-me da Terra da Alegria”, foi publicado em 1977, um ano antes de morrer.

1 comentário:

  1. RuY Belo!... Recordá-lo sempre, para que nunca morra, embora saibamos que há muito já não está connosco!... Como ele disse, para que o oiçam terá de morrer de "muitas mortes"... Terá de morrer muito, muito!... Escutá-lo, é tudo. Para quê, comentar a sua poesia?!...Que haverá de mais belo nos tempos de hoje?!...- Varela Pires

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