sábado, 22 de janeiro de 2011

Dia de REFLEXÃO ou de CATARSE?

Circula pelos orgãos de comunicação social a regimentada e imposta ideia de que o dia de hoje é de reflexão por estabelecimento legal. Ora, se atentarmos nos pressupostos que determinam  esta regulação, constataremos que não se adequam aos propósitos daqueles que foram  atordoados durante uma longa jornada pelos ruídos invasores de uma campanha vazia mas agressiva, opaca mas incendiária, pobre mas fátua, torpe mas  virulenta , verborreica mas palavrosa, narcísica mas humilhante,  desagregadora mas redundante.
Que se poderá reflectir sobre esta panaceia imposta? Que a cidadania nos obriga ao  voto? Que para assim votar , teremos de  esquecer o objecto da nossa escolha? Que regressou   o tempo da venda nos olhos? O tempo de uma venda que não é  imposta, que  não é coerciva, mas acintosamente vinculativa porque germinada na ausência de um ideário. Para propalar a REFLEXÃO será  necessário antecipar a CATARSE deste tempo pervertido  em ruinoso  cirandar de figuras propensas ao verniz fulgoroso  do poder presidencial.
Segundo Eduardo Lourenço,  Senancour escreveu uma frase que Unamuno e , mais tarde Camus, consideraram como uma espécie de sésamo às avessas , aquela verdade manifesta e suficiente para fechar de vez a porta escancarada do nosso pânico diante da morte e que se apropria  ao também  actual  pânico perante  este  quadro eleitoral :" O homem é perecível. Admitamo-lo; mas morramos resistindo e se é o nada que nos está reservado, não aceitemos que isso seja justo".
E porque da ausência de ruído também nascem a  poesia  e o silêncio, companheiro expatriado, que ,  neste dia, pretendemos homenagear, transcreve-se um  extraordinário poema de Fernando Echebarria que será um excelente mote para a celebração de todo e qualquer tempo de interioridade .

ABSTRAI-SE O RUIDO, PARA QUE O SILÊNCO
da sua massa de insistência suba.
E arraste consigo o pensamento,
erguendo-os ambos à feliz altura,
de onde ficarmos vendo
não coincide só. Também acusa
fidelidade a quanto jaz. E é objecto
de um ímpeto pungido. Mas em cuja
punção subsiste e age e, até mesmo,
do mais ímo de si se desoculta.
E iça-se de si. Abre o deserto
da sua solidão que, à volta, pulsa
e o reduz a luto tenso
da existência liberta. Resoluta.
E reina, enfim, o pino do silêncio
e o mais feliz da escuta.
Fernando Echevarría, in "Lugar de Estudo",Poesia, Edições  Afrontamento, Porto ,Maio de 2009

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