A douta e sempre perspicaz visão dos acontecimentos faz parte da riqueza da obra que Eugénio Lisboa nos legou. Há seis anos, Eugénio Lisboa registou no seu Diário estas palavras que marcavam a actualidade educativa. O Ministério da Educação anunciara a retirada da grande obra de Eça de Queirós "Os Maias", do programa de Português do Ensino Secundário. A celeuma levantou-se e, mais tarde, o ME acabou pela não supressão dessa obra queirosiana, da lista de obras previstas para esse ciclo de ensino.
S. Pedro,
27.07.2018 – Grande celeuma à volta da iminente supressão de Os Maias, como leitura obrigatória, no
secundário. A reacção negativa de muitos alunos à leitura deste enorme – e
grande! – romance revela, sobretudo, uma grande ausência de bons hábitos de
leitura. Um aluno habituado a ler não deixaria de se sentir empolgado pela
leitura desta obra-prima.
Dou aqui a
minha própria experiência com Eça de Queirós. Notar que eu me tornara, desde
cedo, um bom leitor. Lia muito e lia
com apetite. Mas tive, com Eça, um mau começo. Ainda muito novo, para aí com 11
anos, tentei ler o único Eça que havia na estante lá de casa: A Cidade e as Serras, num exemplar
bastante desgastado. Ora este romance não era de todo indicado para um
rapazinho de onze anos, que preferia, de longe, Emílio Salgari, Júlio Verne ou
mesmo Júlio Dinis. A Cidade e as Serras
afigurou-se-me, nessa altura, em bom e expedito português, uma verdadeira
chatice. E esta rejeição ficou a marcar-me por muito tempo. Eça aborrecera-me…
Li, depois, Herculano, Garrett, Júlio Dinis, Stendhal, Charlotte Bronte,
Balzac, Voltaire, Dostoiewsky, Tolstoi, Turguenev e por aí fora. Mas nunca me
passou pela cabeça voltar a Eça… Foi
só, já com 20 anos, era eu, então, estudante de engenharia, que, encontrando-me
retido em casa devido a um acidente de bicicleta, me resolvi a experimentar a
leitura de Os Maias, numa edição em
dois volumes, que adquirira antes, sem grande convicção. E era tal a minha
desconfiança em relação ao que ia ler, que nem me dei ao cuidado de fazer uma
leitura ortodoxa, a partir do começo do livro. Abri displicentemente o segundo
volume e pus-me a lê-lo… e fui lendo, empolgadamente, até ao fim! Ali chegado,
não me contive: peguei no 1º volume e li o romance todo – repetindo a leitura
do 2º volume – do princípio ao fim, empolgado e surpreendido. Alguém fora capaz
de escrever, em português, um romance daqueles! É desta espécie de
deslumbramento que se vão privar todos aqueles que agora poderão já não ler Os Maias e que, provavelmente, nunca
mais os lerão, no resto das suas vidas. Ficando marcados pela ideia de que o
romance é “aborrecido”, o mais natural é que nunca voltem a ele. Como nunca
voltarão a muita outra boa literatura, porque nunca chegaram a adquirir bons hábitos de leitura.
(Nota: além
da tentativa de ler A Cidade e as Serras,
eu tive, na minha adolescência, um outro encontro com Eça: a leitura do conto
“José Matias”, que me intrigou e perturbou… Mas não foi suficiente para
“apagar” a má impressão deixada por aquele romance…)"
Eugénio Lisboa, em verbete inédito da obra diarística "Aperto Libro".
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