Uma humilde sugestão
por Eugénio Lisboa
“Diz-se que, 700 anos após a fundação da Academia de
Platão, ainda se podia ler, à entrada dela, a seguinte inscrição: “Proibida a
entrada excepto a geómetras”. O aviso era severo e extremamente exclusivo. Mas
pode dele deduzir-se que, embora a Academia encorajasse o diálogo aberto e
desinteressado, em busca de explicações plausíveis do universo, e não houvesse
uma distinção nítida entre docentes e discentes, temiam-se as derivas
provocadas pela falta de rigor, no pensamento, rigor de que só os geómetras
seriam seguros guardiões. Talvez não fosse necessário incluir apenas geómetras,
como tais, mas, sim, pessoas com aquilo a que Pascal chamava “espírito de
geometria”. É este espírito que impede que as discussões se desviem do seu
guião inicial e se percam por desvios e atalhos que levam a lado nenhum. Estas
derivas podem ser involuntárias e não necessariamente de má fé, mas, entre
ferventes adesivos de grupos politicamente partidários, o desvio do guião de
pensamento é frequentemente deliberado e visa, não a busca da verdade, mas
apenas a desacreditação do adversário e a sua destruição. Vê-se isso, todos os
dias, nas redes sociais, como método deliberado, que seria vigorosamente
rejeitado pela academia platónica. As autocracias e as teocracias não encaram
os argumentos contraditórios como um instrumento essencial à busca de
explicações (provisoriamente) válidas, até outras melhores virem a ser
encontradas. As autocracias e as teocracias encaram como inimigos a abater os
que questionam os dogmas que elas põem em serviço. A busca desinteressada da
verdade é a última das preocupações das ditaduras, e não só no campo político.
É ver os enormes desastres que Estaline e Mao desencadearam, com os incríveis
dogmas científicos, que insensatamente protegeram, no campo da agricultura
(Estaline, com Lysenko) e na indústria (Mao, com o absurdo “grande salto em
frente”). Nem um nem outro possuíam o “espírito de geometria” que exigia a
milenar Academia de Atenas. Resultado: milhões de mortos, provocados por
caprichosos líderes, totalmente desprovido de “espírito de geometria”.
Venho, com isto, sugerir, muito humildemente, que
procurem as escolas, como grande prioridade, promover e afinar, nos alunos, o “espírito de
geometria”, tão necessário a uma saudável e frutuosa vida intelectual. E, já
agora, não sendo pedir muito, desenvolver também o “esprit de finesse”, o outro
alvo das atenções de Pascal…”
Eugénio Lisboa, em 06.12.2023
Sem comentários:
Enviar um comentário