«Os livreiros venderão ou não o seu manuscrito. Para eles, é esse o problema. Para eles, um livro representa um capital a arriscar. Quanto melhor for o livro, menos hipóteses terá de ser vendido. Todo o homem superior se eleva acima das massas, o seu sucesso está, pois, na razão directa do tempo necessário para apreciar a obra. Nenhum livreiro gosta de esperar. O livro de hoje terá de ser vendido amanhã. Neste sistema, os livreiros rejeitam livros substanciais que exigem um elevado e lento reconhecimento.
(...)
Na época em que começa esta história, o prelo de Stanhope e os rolos de distribuição de tinta ainda não haviam entrado em funcionamento nas pequenas tipografias de província. Não obstante a especialização que permite compará-las à tipografia parisiense, Angoulême continuava a usar prelos de madeira, que deram origem à expressão fazer gemer o prelo, caída em desuso. A imprensa antiga ainda utilizava almofadas de couro embebidas em tinta, nas quais o impressor esfregava os caracteres. O quadro móvel onde se coloca a forma repleta de letras sobre a qual se aplica a folha de papel ainda era de pedra e justificava o nome por que era conhecida, mármore. As devoradoras imprensas mecânicas conduziram tão rapidamente ao esquecimento deste mecanismo, ao qual devemos, apesar das imperfeições, os belos livros dos Elzevier, dos Plantin, dos Alde e dos Didot, que se torna necessário mencionar os velhos instrumentos aos quais Jérôme-Nicolas Séchard votava um supersticioso afecto; na verdade, eles têm um papel a desempenhar nesta pequena história.
Séchard era um antigo oficial impressor, que os operários encarregados de
alinhar as letras designavam por urso em linguagem tipográfica. O movimento de
vaivém, muito semelhante ao de um urso enjaulado, executado pelos impressores
que se deslocavam do tinteiro ao prelo e do prelo ao tinteiro, esteve com certeza
na origem da alcunha. Por outro lado, os ursos chamaram macacos aos
compositores tipográficos, por causa do exercício contínuo que estes homens
realizam para retirar os tipos dos cento e cinquenta e dois caixotins em que se
encontram arrumados.
(…) A casa Fendant e Cavalier era uma dessas editoras livreiras
estabelecidas sem nenhuma espécie de capital, como então se viam muitas, e como
sempre se verão, enquanto a papelaria e a tipografia continuarem a conceder
créditos aos livreiros, durante o lapso de tempo em que se publicam umas tantas
obras. Então como hoje, as obras eram compradas aos autores por meio de letras
passadas a seis, nove e doze meses, pagamento baseado na natureza da venda que
se salda entre livreiros em prazos mais dilatados. Estes livreiros pagavam na
mesma moeda aos fornecedores de papel e às tipografias, que assim tinham nas
mãos, grátis, durante um ano, toda uma livraria composta por uma dúzia ou uma
vintena de obras. Admitindo dois ou três êxitos, o produto dos bons negócios
pagava os maus, e eles sobreviviam apoiando uns livros nos outros. Se as
operações fossem todas duvidosas, ou se, por um acaso, descobrissem bons livros,
que só podiam vender-se depois de terem sido apreciados, saboreados pelo
verdadeiro público, se os descontos sobre o seu valor fosse muito grande, se
eles próprios perdessem dinheiro, abriam tranquilamente falência, previamente
preparados para este resultado. Deste modo, todas as situações lhes eram
favoráveis, apostavam no pano verde da especulação alheio, não o próprio.»
Honoré de
Balzac, in Ilusões Perdidas [Illusions Perdues], Dom Quixote Editora, Portugal
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