Recordamos, através de dois textos diferentes, o primeiro 1º de Maio de 1974, celebrado euforicamente em liberdade.
Hoje, neste Maio de 2020, confinados por um vírus opressor e mortífero, o desejo de sair à rua carrega nova esperança libertária.
O povo unido jamais será vencido
"1 de Maio de 1974 - Dia memorável para todos que o viveram, o sentiram , o gritaram com viva alegria, jornada triunfante de confraternização, festa colectiva que apaixonou e arrebatou toda a gente, velhos e novos, soldados e operários, camponeses e trabalhadores do mar, todos de mãos calejadas, arrastando consigo o suor da alegria. Foi a ratificação popular da vitória alcançada na rua, com os blindados apontados e sem disparar, com as G-3 enfeitadas com cravos e rosas vermelhas. E o eco do "saludo" chileno a ser ouvido pelas ruas, vilas e aldeias deste País que, quase à beira do abismo, ganhou forças e coragem para transformar em revolução o que não passava de obscurantismo político: «« O povo unido jamais será vencido!» E o slogan chileno adaptou-se bem à realidade portuguesa desde a primeira hora vivida plenamente em liberdade. Ganhava forma e força a unidade entre o povo e as forças armadas, ganhavam forma e força as lutas reivindicativas das classes de trabalhadores que, sempre conscientes do seu papel histórico, depressa se empenharam em apoiar e consolidar as fracas estruturas sindicais então existentes. Mas todos queríamos embarcar no comboio da nossa liberdade, debruçarmo-nos às janelas das carruagens engalanadas de cravos e de uma esfuziante alegria de viver ou de ainda ser possível viver em Portugal em 1974."
Serafim Ferreira, in « Fragmentos de um "Diário da Revolução" - Abril Abril », Edições Avante, Lisboa, 1975, pp. 180,181
O Estado era uma sombra , o governo uma ilusão
" O Estado era uma sombra, o governo uma ilusão. real só a polícia política, a prisão, a tortura, os julgamentos arbitrários; único sustentáculo de um poder apodrecido.
Quando sete dias após a queda de um regime , centenas de milhares de pessoas vão para a rua festejar a sua morte, pode concluir-se que esse regime já há muito não existia de facto, apesar do seu peso opressivo.
A manifestação de Lisboa convocada pelos sindicatos ultrapassou todas as previsões, exactamente porque as mulheres e homens que a fizeram ou a ela assistiram não podiam conceber que tudo fosse tão evidente para tanta gente, ao mesmo tempo. E muitos poucos tinham mais de cinquenta anos para se lembrarem de algo semelhante.
Era o mundo todo junto. A festa. Todos podiam tocar a liberdade para terem a certeza que viviam.
Um mar de gente esteva na tarde de 1 de Maio de 1974, na Alameda D. Afonso Henriques. Para eles, 800 anos depois da fundação da nacionalidade, Portugal começava ali a dar as grandes passadas a um futuro promissor."
"25 de Abril - Documento", Coordenação dos jornalistas Afonso Praça, Albertino Antunes, António Amorim, Cesário Borga e Fernando Cascais , Casaviva Editora Limitada, Lisboa, 5 de Maio de 1974, p 99
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