MELANCOLIA VIRAL
EM DECASSÍLABOS MURCHOS
Beijo na face
pede-se e dá-se
João de Deus
,,, isto é, dava-se e não só na face:
desorbitado, às vezes, desviava-se
p’ra outras paragens, nova sintaxe,
outras sondagens – e rebobinava-se
com ímpeto renovado. Mas agora,
em tempo de peste que nos assola,
só pensa o desgraçado em dar o fora:
o vírus malvado empata e isola!
Campo de flores, dizia o poeta
João de Deus: nem flores nem amores,
que o vírus não deixa e só a dieta
nos pode salvar de outros horrores.
Beijo na face pedia-se e dava-se:
agora, menino, o desejo trava-se!
Eugénio Lisboa,
Que pede desculpa ao grande poeta do Campo de Flores, por esta humílima sequela a um seu célebre poema.
VERSINHOS MAIS OU MENOS DECASSILÁBICOS;
EM TEMPO DE PESTE
Um filósofo alemão já dizia
que os gregos inventaram a tragédia
porque eram felizes, Seria a comédia
a surgir, se tivessem azia.
Se cada um quer ter o que não tem,
o feliz tenta ser infeliz
e o infeliz almeja ser feliz:
ninguém nunca, mas nunca, está bem.
Antes, gostávamos de estar em casa,
e o vírus deu-nos isso de presente,
mas como o estar em casa nos atrasa
a vida, que ficou absurda, de repente!
Merda para esta vida de paz,
diria, se fosse escritor naturalista:
porque, já agora, tanto me faz
comer um bife ou simplesmente alpista.
Preparo-me, com gozo, para ver,
se tudo isto por fim terminar,
quantas obras-primas vai haver
nas gavetas por aí a engordar!
P´ra já, feliz, só a minha gatinha,
que, mal me vê, petisco adivinha.
Peço desculpa se meu pobre estro,
nestes dias de peste muito turva,
não dá para mais: eu, pobre maestro,
faço o que posso – e dou uma curva!
4.04.2020
Eugénio Lisboa,
Humílimo vate, dia sim, dia não.
VERSINHOS MAIS OU MENOS DECASSILÁBICOS;
EM TEMPO DE PESTE
Um filósofo alemão já dizia
que os gregos inventaram a tragédia
porque eram felizes, Seria a comédia
a surgir, se tivessem azia.
Se cada um quer ter o que não tem,
o feliz tenta ser infeliz
e o infeliz almeja ser feliz:
ninguém nunca, mas nunca, está bem.
Antes, gostávamos de estar em casa,
e o vírus deu-nos isso de presente,
mas como o estar em casa nos atrasa
a vida, que ficou absurda, de repente!
Merda para esta vida de paz,
diria, se fosse escritor naturalista:
porque, já agora, tanto me faz
comer um bife ou simplesmente alpista.
Preparo-me, com gozo, para ver,
se tudo isto por fim terminar,
quantas obras-primas vai haver
nas gavetas por aí a engordar!
P´ra já, feliz, só a minha gatinha,
que, mal me vê, petisco adivinha.
Peço desculpa se meu pobre estro,
nestes dias de peste muito turva,
não dá para mais: eu, pobre maestro,
faço o que posso – e dou uma curva!
4.04.2020
Eugénio Lisboa,
Humílimo vate, dia sim, dia não.
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