Construção
Amou daquela vez como se fosse a últimaBeijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão, atrapalhando o tráfego
Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público
Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado
Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir
Deus lhe pague
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça e a desgraça que a gente tem que tossir
Pelos andaimes pingentes que a gente tem que cair
Deus lhe pague
Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir
Deus lhe pague
Chico Buarque, (1971)
O músico e escritor Chico Buarque é o vencedor do Prémio Camões 2019, anunciado esta terça-feira, na Biblioteca Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro.
"Fiquei muito feliz e honrado de seguir os passos de Raduan Nassar (vencedor do Prémio Camões em 2016)", reagiu Chico, numa curta declaração divulgada .
Chico Buarque juntou a dramaturgia e o romance à extensa e notável obra poética e musical, formando um percurso marcadamente literário.
Chico Buarque juntou a dramaturgia e o romance à extensa e notável obra poética e musical, formando um percurso marcadamente literário.
"É evidente que este prémio é um reconhecimento pela poesia nas letras de música, que também são literárias, não só pelos livros. São poemas. Grandes poemas. A música "Construção", por exemplo, é um poema e até raro de se fazer", diz o escritor Antonio Cicero, poeta, ensaísta e um dos membros do júri.
O mesmo se poderia de dizer de muitos outros poemas escritos para música por Chico Buarque, reflexões densas sobre o prosaico, sobre vidas que se vivem nas ruas, trágicas e mágicas, tão perto do céu e do chão, tão junto do corpo e do coração. Como "Samba e Amor", em que Chico tão bem se define. "No colo da bem-vinda companheira / No corpo do bendito violão / Eu faço samba e amor a noite inteira / Não tenho a quem prestar satisfação"
Chico Buarque fora já distinguido com o prémio Jabuti, o mais importante prémio literário no Brasil, pelos romances “Estorvo”, “Leite Derramado”, obra com que também venceu o antigo Prémio Portugal Telecom de Literatura (actual Prémio Oceanos), e por “Budapeste”.
Foi escolhido pelos jurados Clara Rowland e Manuel Frias Martins, professores universitários indicados pelo Ministério português da Cultura, pelo ensaísta António Cícero Correia Lima e pelo professor António Carlos Hohlfeldt, indicados pelo Governo brasileiro, pela professora angolana Ana Paula Tavares e pelo professor moçambicano Nataniel Ngomane.
Escritor, compositor e cantor, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de Junho de 1944, no Rio de Janeiro.
Estreou-se no romance com “Estorvo”, em 1991, a que se seguiram “Benjamim”, “Budapeste”, “Leite Derramado” e “O Irmão Alemão”, publicado em 2014.
Em 2017, venceu em França o prémio Roger Caillois pelo conjunto da obra literária.
O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objectivo de distinguir um autor “cuja obra contribua para a projecção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum”. Foi atribuído pela primeira vez, em 1989, ao escritor Miguel Torga. Em 2018 distinguiu o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, autor de “A ilha fantástica”, “Os dois irmãos” e “O testamento do Sr. Napumoceno da Silva Araújo”, entre outras obras.
O Presidente português felicitou esta quarta-feira o músico e escritor brasileiro Chico Buarque, vencedor do Prémio Camões 2019, defendendo que “só pode ser unânime” esta distinção da sua obra como romancista, dramaturgo, mas também como escritor de canções.
Numa nota publicada no portal da Presidência da República na Internet, Marcelo Rebelo de Sousa considera que, ao premiar Chico Buarque, o júri do Prémio Camões reconheceu “naturalmente também o extraordinário escritor de canções, um dos maiores da língua portuguesa”.
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