Furto de flor
Por Carlos
Drummond de Andrade
"Furtei uma flor daquele jardim. O porteiro do
edifício cochilava, e eu furtei a flor.
Trouxe-a para casa e coloquei-a no copo com água.
Logo senti que ela não estava feliz. O copo destina-se a beber, e flor não é
para ser bebida.
Passei-a para o vaso, e notei que ela me agradecia,
revelando melhor sua delicada composição. Quantas novidades há numa flor, se a
contemplarmos bem.
Sendo autor do furto, eu assumira a obrigação de
conservá-la. Renovei a água do vaso, mas a flor empalidecia. Temi por sua vida.
Não adiantava restituí-la no jardim. Nem apelar para o médico de flores. Eu a
furtara, eu a via morrer.
Já murcha, e com a cor particular da morte,
peguei-a docemente e fui depositá-la no jardim onde desabrochara. O porteiro
estava atento e repreendeu-me.
– Que ideia a sua, vir jogar lixo de sua casa neste
jardim!"
Carlos Drummond de Andrade, in Contos plausíveis. Rio de
Janeiro, José Olympio, 1985. p. 80.
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