"Fugimos para longe, e passámos as noites, as infinitas noites de inverno em que chove sempre, à beira do lume, eu calado a escrever, tu calada a olhar para mim. Solidão tão pesada que se distinguia o remexer dos bichos inteiriçados de frio, que vivem nos buracos das paredes e que se revolviam no fundo dos ninhos, para caírem logo no torpor invernal - e o caminhar da raiz da árvore que plantei e que sob o chão teima em se aproximar de nós. Foi nesse silêncio que a minha alma se criou. Foi esse silêncio que nos uniu indestrutivelmente. No corredor escuro onde entrei e onde tacteio como um cego, fazendo alguns riscos a carvão nas paredes, encontrei a tua mão que me amparava e nunca mais a larguei. Aprendi que há outras existências , as do humildes, maiores que as nossas. E vi Deus."
Raul Brandão , in "Memórias - ( memórias volume II, O silêncio e o lume, Dezembro 1924)", Quetzal Editores, p. 246
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