"Eugène
Ionesco , o grande dramaturgo romeno, pôde assistir ao sucessivo resvalar dos
amigos na linguagem do fascismo durante
a década de 1930. Esta experiência tornara-se o fundamento para a sua peça de
teatro do absurdo, Rhinocéros,
escrita em 1959, na qual aqueles que se tornam presas da propaganda são
transformados em gigantes criaturas com cornos. Acerca das suas experiências
pessoais, Ionesco escreveu:
Professores
universitários, estudantes, intelectuais, todos estavam a tornar-se nazis,
membros da Guarda de Ferro, uns a seguir
aos outros. Ao princípio, não eram por certo nazis. Juntávamo-nos, cerca de uns
quinze no grupo, para conversarmos e tentarmos arranjar argumentos que
contrariassem os deles.
Não
era fácil…De tempos a tempos, um dos nossos
amigos dizia: “ Não concordo com eles, isso posso garantir, mas em
certas questões, ainda assim, tenho de admitir que os judeus , por exemplo…”
etc.. E isto era um sintoma. Três semanas mais tarde, essa pessoa acabava por tornar-se nazi. Era
apanhada pelo mecanismo, passava a aceitar tudo, tornava-se num rinoceronte. Lá
para o fim , só três ou quatro de nós ainda se opunham.
O propósito de Ionesco foi o de nos
ajudar a ver o quão bizarra é de facto a propaganda, e ao mesmo tempo o quão
normal parece para aqueles que acedem à sua linguagem. Ao apropriar-se da absurda imagem de rinoceronte, Ionesco
procurava chocar as pessoas de forma que elas se apercebessem da estranheza do
que estava realmente a acontecer.
Os rinocerontes vão-se passeando pelas
nossas savanas neurológicas. Actualmente, damos por nós especialmente
interessados em algo a que chamamos “
pós-verdade”, e assim revelamos uma tendência para achar que o menosprezo por
factos do quotidiano e a construção de realidades alternativas, meras
consequências desse conceito, referem-se
a algo novo ou pós-moderno. Porém , pouco ou nada há nisto que George Orwell não tenha concebido há sete décadas , com a sua noção
de “duplo-pensar” (Doublethink). De
acordo com a sua filosofia, a pós-verdade restabelece a atitude fascista
perante a verdade - e é por isso que
nada neste nosso mundo poderia alguma vez deixar Klemperer ou Ionesco
verdadeiramente surpreendidos.
Os fascistas deprezavam as pequenas
verdades do quotidiano, tinham uma adoração por slogans que ressoavam como uma
nova religião e davam preferência à invenção de mitos em detrimento da história
e do jornalismo. Usavam novos meios de comunicação, que na altura se resumiam à radio, com o objectivo de criarem um constante ruído de fundo
propagandístico que acabava por estimular as emoções antes que as pessoas tivessem tempo para averiguar os factos. E
nos tempos actuais, como aliás no passado, muitas pessoas passaram a
confundir a sua fé num líder dado aos
piores defeitos com a verdade do mundo que todos nós partilhamos.
Pós-verdade significa pré-fascismo.”
Timothy
Snyder, in “Sobre a Tirania – Vinte Lições do Século XX”,
Relógio D’Água Editores, Julho 2017, pp. 56, 57
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