Tu perguntas,
e eu não sei,
eu também não
sei o que é o mar.
É talvez uma
lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma
carta, quando é de noite.
Os teus
dentes, talvez os teus dentes,
miúdos,
brancos dentes, sejam o mar,
um mar
pequeno e frágil,
afável,
diáfano,
no entanto
sem música.
É evidente
que minha mãe me chama
quando uma
onda e outra onda e outra
desfaz o seu
corpo contra o meu corpo.
Então o mar é
carícia,
luz molhada
onde desperta
meu coração
recente.
Às vezes o
mar é uma figura branca
cintilando
entre os rochedos.
Não sei se
fita a água
ou se procura
um beijo
entre conchas transparentes.
Não, o mar
não é nardo nem açucena.
É um
adolescente morto
de lábios
abertos aos lábios de espuma.
É sangue,
sangue onde a
luz se esconde
para amar
outra luz sobre as areias.
Um pedaço de
lua insiste,
insiste e
sobe lenta arrastando a noite.
Os cabelos da
minha mãe desprendem-se,
espalham-se
na água,
alisados por
uma brisa
que nasce
exactamente no meu coração.
O mar volta a
ser pequeno e meu,
anémona
perfeita, abrindo nos meus dedos.
Eu também não
sei o que é o mar.
Aguardo a
madrugada, impaciente,
os pés
descalços na areia.
Eugénio de
Andrade, in “ As Palavras Interditas”1951, Ed. Assírio & Alvim, Out. 2012
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