sábado, 26 de maio de 2012

O Acordo do nosso descontentamento

O Acordo Ortográfico
Por  Eugénio Lisboa
“A minha opinião sobre o Acordo Ortográfico é simples e transparente: trata-se de um exercício tão monumentalmente fútil quanto dispendioso. Um formidável desperdício que nunca resolverá o problema que ostensivamente visa resolver: a “defesa da unidade essencial da língua portuguesa” (cito João Malaca Casteleiro e faço notar que ele não fala em “unidade ortográfica” mas sim em “unidade essencial da língua portuguesa”).
A minha questão é só uma: como é que a unificação, aliás relativa, da ortografia – que não passa de uma simples convenção de escrita – pode ambiciosamente significar “a unidade essencial da língua portuguesa”, quando a gramática e uma parte substancial do glossário não farão outra coisa que não seja divergirem alegre e abundantemente, entre os sete países da CPLP?
Divergência, aliás salutar, por significar maior diversidade e riqueza… (….)
“O segundo motivo”, pondera o ilustre campeador do Acordo, “relaciona-se com a política externa do idioma. Do ponto de vista internacional, a escolha entre duas ortografias oficiais pode levantar problemas diplomáticos delicados e mesmo insolúveis.”
É curioso que possa levantar mas que até hoje não tenha levantado.
(…)
Tenhamos a coragem de admitir, de uma vez por todas, que há um português ortónimo – o que se fala e escreve em Portugal – e vários portugueses heterónimos (os que se falam no Brasil, em Moçambique, em Angola, etc.) que se falam e que se escrevem.
Apagar esta heteronímia, tentar fingir que o português é só um, por via de uma tímida e ridícula unificação ortográfica, é querer tapar o sol com uma peneira.
Acham, a sério, que se pode confundir uma uniformização ortográfica com a “unidade essencial da língua”?
Que “E embolaram” é da mesma língua que diz: “E pegaram-se à zaragata”? A sério que acham? Num tá bom da bola! (…)”
Eugénio Lisboa, in JL de 13-16 Agosto 2008 (excertos)

O Acordo Ortográfico: inútil e prejudicial
por ANSELMO BORGES
Escola vem do grego scholê, que significa ócio. Mas este ócio nada tem a ver com preguiça. Do que se trata é do tempo livre para o exercício da liberdade do pensar, do aprender e do tornar-se cidadão enquanto ser humano pleno e íntegro, numa sociedade livre. Sempre pensei - uma das heranças do meu pai - que a escola deve ser o lugar da saída da ignorância e da opressão, em ordem ao progresso e à realização plena do ser humano. Lugar de educação e formação.
A palavra educação vem do latim: educare (alimentar) e educere (fazer sair, dar à luz, elevar). Cá está: alimentar e fazer com que cada um/a venha à luz, realizando as suas potencialidades, segundo o preceito paradoxal de Píndaro: "Homem, torna-te no que és": o Homem já nasce Homem, mas tem de tornar-se plenamente humano.
Aí está a razão da educação como o trabalho mais humano e humanizador, de tal modo que o filósofo F. Savater pôde justamente considerar os professores "a corporação mais necessária, mais esforçada e generosa, mais civilizadora de quantos trabalham para satisfazer as exigências de um Estado democrático". Porque o que é próprio do Homem não é tanto aprender como "aprender de outros homens, ser ensinado por eles".
Claro que, assim, sou a favor de uma formação holística. O ser humano não pode crescer apenas no plano científico e técnico: precisa também da estética, da ética, da literatura, da filosofia, da música, da história, da geografia, da religião... Mas julgo que o Português e a Matemática são fundamentais.
E é aqui que se coloca a questão do Acordo Ortográfico. Para que serve? Unificar a ortografia? São tantas as excepções que não se vê unificação! E a Inglaterra preocupa-se com a unificação do inglês? E ainda não foi ratificado por Angola e Moçambique. O jornal oficioso Jornal de Angola escreveu mesmo, justificando a sua não aceitação: "não queremos destruir essa preciosidade (a língua portuguesa) que herdámos inteira e sem mácula" e: "se queremos que o português seja uma língua de trabalho na ONU, devemos, antes de mais, respeitar a sua matriz e não pô-la a reboque do difícil comércio das palavras. Há coisas na vida que não podem ser submetidas aos negócios".Anselmo Borges , in Artigo de Opinião do DN em 14 Abril 2012

3 comentários:

  1. excelente artigo sobre o Acordo Ortográfico!

    Vasco Graça Moura não diria melhor.

    http://silenciosquefalam.blogspot.pt/

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  2. Acordo/Desacordo(?)Ortográfico - Uma matéria controversa, "ad eternum!... O Acordo do falatório, pois!...
    Duas figuras proeminentes da Língua Portuguesa, duas autoridades na matéria emitem a sua opinião: Eugénio Lisboa e Anselmo Borges.
    Respeitamos profundamente as opiniões pronunciadas por ambos e associamo-nos a elas e apoiamo-las na qualidade de cidadão, um dos que usam a Língua Portuguesa como sua língua materna.
    É sobejamente conhecido desde sempre o conceito de que o(s) povo(s) é quem faz(em) a Língua falada e escrita. Querer uniformizar tudo na ortografia é negar a liberdade e a evolução da própria Língua, processo original e expontâneo, obra de todos os que a utilizam. Lembrar é viver... Deveria estar ainda entre nós o conceituadíssimo linguista e dicionarista português - quer em termos nacional e internacional - o Dr.José Pedro Machado, algarvio, nascido em Faro... Cabe agora recordá-lo... A ele e à sua obra. Hoje, mais do que nunca!... Infelizmente este homem é um "daqueles por obras valerosas (já) se passou (para) além da morte"... Este homem excepcionalmente culto, português de oiro, que toda a sua vida lidou com as palavras, o seu significado, a sua ortografia, a sua etimologia, este homem que conhecemos pessoalmente em Lisboa na sua casa - e a sua cidade natal e o país o homenagearam por diversas vezes - e foi quem nos esclarecia, a nós e a inúmeros outros estudantes de então, qualquer dúvida no âmbito do uso do português falado e escrito - estamos em crer, pelo que conhecemos dele e do seu modo de agir, que se fosse vivo o Professor José Pedro Machado não concordaria igualmente com este Acordo Ortográfico perfeitamente dispensável que só vem desunir e criar uma confusão tremenda em todos aqueles que falam português!... Certamente o Professor José Pedro Machado acharia que com este Acordo Ortográfico "negociado" em conversas de gabinetes "alcatifados"...se espartilharia uma língua viva e universal como a Portuguesa, e que esta perderia a diversidade, a criação, o próprio colorido fonético, o surgimento de neologismos, a riqueza da invenção dos termos, das palavras da própria língua. Sim, invenção e inventar!... Porque um Língua é oscilante, mutável, não rígida por natureza. Porque continuamente o povo tem de inventar a sua própria língua!... E sobre isto, não resta qualquer dúvida.

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  3. Meu comentário simples... Concordando com tudo - mesmo tudo - o que atrás está sabiamente dito, apenas me resta acrescentar o seguinte: qual será a razão que levou os britânicos e os americanos dos Estados Unidos a nunca concretizarem um Acordo Ortográfico entre eles? E possivelmente nem nunca pensarem em ideia tão... peregrina? Não teria sido a sapiência desses povos? Povos que sempre tiveram bastante mais em que pensar? Por exemplo: em chegarem à Lua e às imediações de Marte? E não teremos também mais em que pensar? Por exemplo: no incumprimento pelos brasileiros do Acordo que connosco assinaram...? Neste capítulo estão a dar-nos uma lição.

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