sábado, 31 de dezembro de 2011

As palavras em Fim de Ano

Não desesperarei da Humanidade.
Por mais que o mundo, o acaso, a Providência, tudo
à minha volta afogue em lágrimas e bombas
os sonhos de liberdade e de justiça

Jorge de Sena, “Mensagem de Finados”, Poesia II

Uma crónica imperfeita
Neste final de 2011 impõe-se olhar para trás e, em jeito de balanço, encerrar a conta dos dias que o compuseram. Se pensarmos em números nunca se falou tanto de cifrões , de milhões como neste ano. A economia engendrada pelas Agências de rating revelaram uma nova realidade, onde o capital domina num absolutismo xenófobo para impor e exigir quantias tão incomportáveis que arrastam para a miséria quem não o tem. A eleição democrática já não é um garante de estabilidade, de independência, de liberdade. Os países passaram a ser tutelados por essa bizarria exterior que os comanda, rotula e arrasa. A linguagem do mercado entrou no quotidiano de qualquer vivente, mas a tragédia do desemprego, da precariedade, da fome , da rua acompanhou-a em funesta parceria .
"A vida é um valor desconcertante pelo contraste entre o prodígio que é e a sua nula significação ", dizia Vergílio Ferreira, em "Um Escritor Apresenta-se". E nunca se viu tanto desespero no olhar de tanta gente. A falta de futuro traz amargura e retira significado à luta por um lugar ao Sol. Sol que nasce ainda para todos, mas que brilha cada vez mais apenas para alguns.
Na Profecia Maia prevê-se o fim do mundo para 2012. Os Portugueses não temem o fim do mundo , porém sofrem já com a ameaça do fim de um Portugal digno , onde o futuro possa existir sem que se esqueça o passado. A memória faz parte da vida e a vida embora um valor desconcertante tem de ser digna. E num país, onde a cada dia se tira , se subtrai, se diminui, se derroga, é um país regredido que se esvazia porque de nada se enche e de tudo se esvai. Ah, Meu pobre, pobre Portugal. Quanto de ti já não é nosso, quantos de ti já se foram.
2011 foi pródigo em gerar novas esperanças que modificaram a arquitectura política no Norte de África. A Primavera Árabe encheu de imagens o mundo e povoou de gentes tantas outras Praças . Clamavam por mudança e muitos pelo pão que não tinham. Caíram governos, fizeram-se heróis e a liberdade ficou? O tempo e a História o dirão.
Os Indignados chegaram a Wall Street, mas o império da bolsa continua. A crise exportada por essa corporação de ávido capitalismo americano contaminou o velho continente que se havia predisposto à usura , à volúpia do lucro e à insensatez do consumo. E o Euro inseguro por mãos avaras tornou-se crísico nos seus domínios. A redenção e o resgate empenharam-se em torno de listas infindas de castigos e penares ao jeito medievo da Inquisição. E a iniquidade aí está.
Morre-se e faz-se morrer sem que nos corações a dor impere. A caça de Bin Laden e a dureza na morte de Kadafi revelaram a incapacidade do agir perante a frágil solitude da derrota. Já o sentíramos com Saddam Hussein.
O Japão tão longe e tão perto na sua dolorosa tragédia. Um mar de destroços, um oceano de vidas perdidas e um sofrimento profundo e recolhido nos que ficaram. Traiçoeiro 2011 na enganadora armadilha nuclear que conforta o homem , mas destroi, num ápice, o justo equilíbrio .
Nigéria, Sudão e, em Dezembro, Belém foram palco de lutas intestinas em nome de um Deus ausente que não reina entre a cegueira de quem não vê a sua própria imagem.
Os BRIC são os países emergentes deste ano que finda. Emergir significa vir à tona. Quem dera que nessa emersão se construa uma nova era que não seja ditada pelo poder económico e a força do dinheiro. Vir à tona deste universo descapitalizado para o tomar de assalto em assalto, não redime nem inicia um novo tempo. Mudar os actores e manter os agentes não altera o ritmo do mundo e não globaliza a justiça social.
Estrelas cadentes explodiram nos céus do nosso horizonte. Os astrónomos descobriram outras galáxias, novos planetas. A Ciência treina-se na pesquisa da vida eterna, no fabrico do elixir supremo, na descoberta da juventude permanente. Entretanto os velhos morrem no abandono dos Lares, no frio dos Hospícios , no sofrimento dos corredores dos Hospitais, no solitário aconchego das memórias de casas vazias de gente . E 2012 será o Ano Europeu do Envelhecimento Activo e da Solidariedade Intergeracional. Que os corações se abram aos outros quando os outros já tanto se abriram ao longo dos tempos úteis de militância produtiva.
Renegar, produzir, cortar, promover, pagar, ganhar, derrogar, lucrar, penalizar, castigar são verbos que foram estrelas em 2011.
Nascer, viver, vencer, sonhar, sentir , apreciar, amar, respirar e acreditar que na luz destes dias que se aproximam o desenho da nossa vida também será feito a cores e construido por verbos na voz activa que se conjugam em todos os tempos e em todas as pessoas.
Não desesperaremos da Humanidade. Que venha 2012.

2 comentários:

  1. Uma visão muito lúcida de 2011.

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  2. Relevo e subscrevo - com a devida vénia - tudo quanto a "Crónica Imperfeita" nos transmite!... Os estigmas do real. A verdade com que nos confrontamos dia-a-dia, desenrolada com uma autenticidade inaudita, com uma escrita que se desenvolve pausada e com conhecimento de causa, fruto de uma reflexão maduramente pensada, e para surpresa nossa com algumas palvras doces de esperança. Revela uma percepção sem escolhos, fina, global, e uma lucidez impressionante. A vida é que se nos mostra "imperfeita" a cada passo, caústica, dilacerante, demasiado crua, espaço de clausura, asfixia e nimbada de empobrecimento material e talvez espiritual... Quanto à crónica, essa, nada tem de imperfeito! Felicitações por em poucas palavras dizer-nos tanto!... - V. P.

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