"Se eu fosse pintor, passava a minha vida a pintar o pôr do Sol à beira-mar. Fazia cem telas, todas variadas, com tintas novas e imprevistas. É um espectáculo extraordinário. Há-os em farfalhos, com largas pincela das verdes. Há-os trágicos, quando as nuvens tomam todo o horizonte com um ar de ameaça, e outros doirados e verdes, com o crescente fino da Lua no alto e do lado oposto a montanha enegrecida e compacta. Tardes violetas, neste ar tão carregado de salitre que toma a boca pegajosa e amarga, e o mar violeta e doirado a molhar a areia e os alicerces dos velhos fortes abandonados…
(...)
Esta tarde o Sol põe-se sobre uma barra e aparece deformado, entre grandes manchas de nuvens acobreadas. Some-se e ressurge por fim como um grande balão de fogo num oceano revolto, até que entra uma nuvem espessa com interstícios de fogo e explode iluminando o espaço e a água cor de chumbo.
Este faz sobressaltar e sonhar. Três horas da tarde. Céu limpo, mar manso, e sobre o mar uma chapada de prata, sobre o verde, mil escamas a cintilar, que brilham, luzem e tornam a reluzir. O Sol desce pouco a pouco, majestoso e sereno, no céu todo doirado e a luz forma uma estrada que liga o areal ao infinito, uma estrada larga, de oiro vivo, que começa nos meus pés, na espuma ensanguentada e chega ao sol. Ó meu amor, não acredites na vida mesquinha, não duvides: dá-me a tua mão e vamos partir por essa estrada fora, direitos ao céu !"
Raul Brandão , in Os Pescadores (1923), Publicações Europa-América, pp.41,42.
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