quarta-feira, 9 de abril de 2025

Celebrar Eugénio Lisboa

Eugénio Lisboa, 25 de Maio de 1930 - 9 de Abril de 2024

PERPETUAR UM GRANDE ESCRITOR

Ao Centro de Estudos Regianos

Celebrar quem foi um grande escritor
é apenas lembrar e agradecer
o prazer que nos deu o seu fulgor,
o seu facho, na escuridão, a arder:

para, com muita dor, nos ensinar
a sedução que existe nos abismos
e, também, como saber procurar
a verdade, fora dos catecismos!

A grandeza sempre inquietou
e, não poucas vezes, dela afastou
os que mais saberiam preservá-la.

Por isso, às vezes, o futuro cala
grandes vozes que já se ouviram
e tão fundamente repercutiram!
                          28.11.2022
Eugénio Lisboa, in Soneto modo de usar, Guerra & Paz Editores, Abril de 2024, p 99

Eugénio Lisboa, o escritor a perpetuar

Faz um ano que nos deixou este  homem das Letras Portuguesas, um escritor fecundo que nos presenteava, em cada dia do ano, com um novo texto. Humilde e generoso, enchia  estas páginas de preciosos registos, em  diversas formas literárias. A sabedoria tinha  nele uma vantagem: a partilha.  Do poema ao ensaio,  da singular entrada do Diário ao  luminoso verbete das Memórias,  da lúcida crónica à mais audaz reflexão, da  arguta proposta de alguns pensamentos para o dia à curta mensagem introdutória,   tudo trazia a clarividência brilhante deste escritor. 
Conhecer Eugénio Lisboa foi  verificar como a simplicidade, a humildade vestem sempre um grande Homem, um grande Escritor.
Deixou-nos  um vastíssimo legado  literário , distribuído  por cerca de meia centena de  livros, com  sumptuosos ensaios,  magníficas crónicas,   sublime poesia, extraordinárias intervenções e a imperdível e rica obra memorialística e diarista. 
Celebrar quem foi um grande escritor/ é apenas lembrar e agradecer/ o prazer que nos deu o seu fulgor,/ o seu facho, na escuridão, a arder: Apropriamo-nos dos versos do soneto  inicial , produzido por Eugénio Lisboa em honra de José Régio, poeta de quem  foi amigo e o maior estudioso da sua obra, para  lhe prestar homenagem e agradecer todo o infindo deleite que nos provoca e provocará a leitura da sua obra.  
Para perpetuar o seu nome , basta ler as preciosas páginas de seus livros, raiados por um imperecível fulgor  e por uma segura  e sustentável  contemporaneidade. 
Não é apenas uma dorida saudade que sentimos de Eugénio Lisboa, é a certeza do grande privilégio de ter tido  , entre nós, amantes da Literatura,  este laborioso  e prodigioso escritor, um extraordinário intelectual, detentor de uma profunda e inexcedível cultura .    As Letras Portuguesas enriqueceram e tornaram-se maiores com ele.
A nossa imensa  gratidão.

Nestes dias de tanta lúgubre incerteza e de trágicos acontecimentos que se arrastam, a pena arguta de Eugénio Lisboa produziu estes textos que se  transcrevem. 
Inventário de perdas

Vai-se, com o tempo, perdendo tudo.
Perdi já tantos dos que tanto amava,
perdi sítios, perdi sóis, sobretudo,
perdi poderes, ilusões, e brava

força que punha, no lutar, fervor!
Perdi livros e haveres e tudo
o que à vida dá tanto sabor!
Meu canto triste foi ficando mudo,

ao ver, por todo o lado o atropelo,
o assalto ao poder da liberdade,
o pôr, na destruição, tanto zelo!

Por todo o lado, alastra a iniquidade
e a vida cada vez mais fenece,
neste pobre mundo que anoitece.
                 19.03.2022
Eugénio Lisboa, in Sonetos em Tempo de Guerra Suja, Guerra & Paz Editores, Setembro de 2022, p.36
TÃO BELOS PENSAMENTOS!
TÃO POUCA APRENDIZAGEM!
por Eugénio Lisboa

Tudo o que o homem aprendeu com a História
é que não aprendeu nada.
Albert Einstein
“Que pena as nossas escolas ensinarem tudo menos um pouco de sabedoria de viver! Que pena os estudantes abandonarem as escolas, com um punhado de certezas duvidosas e uma quase incapacidade de pensar. Que pena a filosofia ser uma filha bastarda do nosso ensino e os nossos jovens não terem o prazer e o proveito de fruir tanto pensamento cintilante e tão elegantemente formulado, que os incitasse a uma saudável rebeldia, quando os que decidem o fazem tão mal! Se os estudantes fossem expostos, neste mundo de conflitos insensatos e suicidas, às nobres palavras de Platão (“Só os mortos conhecem o fim da guerra”), ou de Sólon (“A igualdade não gera guerras”), ou de Cícero (“Prefiro a paz mais injusta à mais justa das guerras”), ou do grande Spinoza, que nós perdemos, dando-o à Holanda (“Paz não é a ausência de guerra; é uma virtude, um estado mental, uma disposição para a benevolência, confiança e justiça”). Reparem: “disposição para a benevolência, confiança e justiça”. Não serão melhores instrumentos para se resolverem discórdias, do que o infame poder destrutivo de tanques de guerra, canhões potentes, mísseis estupidamente sofisticados, países destruídos, crianças mortas e mutiladas ou mulheres enviuvadas e velhos desamparados no meio de ruínas? Haverá, num homem como Putine, demagogo, insensível, iletrado, boçal, alguma migalha mínima de sabedoria que o possa redimir? Será ele mentalmente adulto? Como reagiria ele a esta verificação devastadora do grande Melville, o autor de Moby Dick: “Todas as guerras são infantis e desencadeadas por crianças”? Crianças, sim, em termos de crescimento mental, mas de corpo de adulto, insuficientemente oxigenado, no topo. Não faria alguma impressão benfazeja, não criaria algum saudável desassossego visitar a sabedoria de tantos grandes homens que tanto enriqueceram o nosso património intelectual e emocional? Homens como Thomas Mann (“A guerra é a saída cobarde para os problemas da paz”) ou como o autor dessa pérola imortal – O Pequeno Príncipe – (“A guerra é uma doença, como o tifo”), ou como George Orwell (“… o objectivo de travar uma guerra é sempre estar em melhor posição para travar outra guerra”), ou como Gandhi (“Olho por olho e o mundo acabará cego”), ou como Karl Marx, que Putine, pelos vistos, não frequentou (“O povo que subjuga outro povo forja as suas próprias cadeias”), ou o eloquentíssimo e bem humorado John Lennon (“Lutar pela paz é como fazer amor pela virgindade”) ou, já agora, como Jean-Paul Sartre, que não estimo particularmente, mas que disse esta coisa muito verdadeira: “Quando se conhecem os pormenores da vitória, é difícil distingui-la da derrota”. Mas a pérola das pérolas veio-nos, paradoxalmente de Audie Murphy, o soldado americano mais condecorado da segunda guerra mundial: “Nenhum soldado sobrevive realmente a uma guerra”. E terminarei este acervo de sabedoria, com o muito corajoso e subversivo conselho do cientista, explorador polar, aventureiro e político norueguês, que recebeu, em 1922, o Prémio Nobel da Paz: “A guerra acabará quando os homens se recusarem a lutar.” Já os tem havido, como o grande Gandhi e seus seguidores ou o escritor francês Jean Giono, que pagou com a prisão o seu pacifismo irredutível ou o hoje famoso soldado americano, Slovick que, na segunda guerra mundial, preferiu morrer à frente de um pelotão de execução a disparar um tiro. Foi, aliás, o único soldado americano executado por “deserção em frente do inimigo”, embora muitos milhares de outros tenham sido julgados pelo mesmo “crime”.
O problema é que não estou muito certo de que haja muitos governos, democráticos ou não, que achem muito aconselhável os alunos visitarem empenhadamente as mais acutilantes pérolas de sabedoria que, contra a guerra, se escreveram. Talvez um dia lá cheguemos, quando a guerra puder ser considerada um crime, punido por uma lei internacional e for internacionalmente intervencionado o país que se atrever a dar início a uma. Utópico? Eu sei: os seres humanos sempre acharam difícil fazer as coisas mais lógicas e mais simples. O enviesado ganha sempre. E a estupidez sempre teve mais crédito do que a inteligência.”
Eugénio Lisboa, 28.03.2022
DA NÃO EVIDÊNCIA DE TUDO

É tão estranha a vida. É tão estranha a morte.
É estranho que seja tudo tão estranho
e tudo cause, em mim, um tal desnorte,
que o assombro seja, em mim, tamanho,

que fico detido, explorando o espanto
de coisa nenhuma ser evidente!
Resta-me, então, digo eu, o canto
que amacia o que não é transparente!

Viver é assim não compreender,
que é a melhor forma de descobrir.
Se há virtudes no não entender,

se é bom forçar a porta, insistir,
contudo, a um mistério decifrado,
outro logo se apresenta fechado!
              20.05.2020

Eugénio Lisboa,
em congeminações de sempre, que a solidão da peste agudiza!

Eugénio Lisboa, in  Poemas em tempo de peste,  Guerra & Paz Editores, Setembro de 2020, p 71


PERDER UM AMIGO


À memória do Ziggy

Quando nos morre um velho amigo,
seja ele um ser humano ou um bicho,
é como sairmos de um bom abrigo,
entregues apenas a um capricho.

Homem ou bicho, havia um postigo,
pelo qual nos visitava a luz,
mas a súbita perda desse amigo
traz à nossa vida uma amarga cruz.

Um bom amigo que nos deixa
é um buraco no nosso caminho:
em vez de um amparo, uma queixa,

em vez de um veludo, um espinho.
Um amigo perdido não tem preço
e, se para isso há cura, desconheço.
                    24.07.2022
Eugénio Lisboa, in  Soneto modo de usar, Guerra & Paz Editores, Abril de 2024, p 35

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