domingo, 13 de abril de 2025

Ao Domingo Há Música

Tenho algumas vezes sonhado que, no dia em que o Dia do Juízo amanhecer  e os grandes conquistadores  e juristas vierem receber as suas recompensas , as suas coroas, os seus louros, os seus nomes gravados indelevelmente  no mármore imperecível  -, o Altíssimo se virará para S. Pedro e dir-lhe-á,  não sem uma certa inveja , quando nos vir a nós  aproximar-nos , com os nossos livros  debaixo dos braços:« Olha , estes não precisam de recompensa. Não há nada que possamos dar-lhes. Eles já gostam de ler!» 

                                                        Virginia Woolf 

Ler e gostar de ler leva-nos aos mais recônditos lugares e a diferentes e longínquas épocas que nos dão a capacidade e a maleabilidade de entender o presente. Somos o resultado do que lemos, disse um grande escritor que amava a leitura .
Sou uma leitora impune. Tenho uma fome desmedida de leitura. Saciá--la é-me impossível , já que não o desejo. E dessa leitura tenho feito eco neste espaço. Hoje vou evocar um livro belíssimo, um romance escrito por Tomasi di Lampedusa , que retrata a época do "Rissorgimento”, que unificou a Itália, até então retalhada em pequenos reinos dominados por potências estrangeiras.
Giuseppe Tomasi Di Lampedusa, duque de Palma e príncipe de Lampedusa, nasceu em Palermo, em Dezembro de 1896, e faleceu em Roma, em Julho de 1957. Pertenceu à nobreza italiana e lutou na Primeira Guerra Mundial. Viveu a maior parte de sua vida entre Roma e Palermo. Foi sepultado no cemitério Capuccino, em Palermo.
Homem de grande cultura, desde 1930 , conjecturava escrever um romance sobre a decadência da nobreza da Sicília, o que aconteceu apenas em 1956. O Leopardo, a sua obra-prima, foi o único romance que escreveu. Inicialmente recusado por duas grandes casas editoriais italianas, viria a ser publicado um ano e meio após a morte de Lampedusa, quando Elena Croce o enviou a Giorgio Bassani que publicou o livro pela editora Feltrinelli . Teve um sucesso imediato junto do público e da crítica, sendo  considerado uma das maiores obras literárias do século XX. Foi traduzido em todas as línguas.
Romance situado na segunda metade do século XIX, narra a fascinante história de uma aristocracia siciliana decadente e moribunda, ameaçada pela aproximação da revolução e da democracia.
Na transição do século XIX para o século XX, a Itália era constituída por uma série de principados que rivalizavam entre si, sem qualquer vislumbre de uma unidade nacional. Em Maio de 1860, meados do século XIX, o revolucionário Giuseppe Garibaldi desembarca em Marsala, na Sicília, para liderar o movimento de unificação da Itália. Giuseppe Garibaldi chefiava “Os descamisados”, ou simplesmente, “Os camisas vermelhas”. O objetivo era a reunificação da Península Itálica, a expulsão dos Bourbons - cuja pretensão de hegemonia, partindo de Nápoles, de onde reina a dinastia Bourbon, não agrada aos italianos – e a sua substituição pela dinastia rival de Piemonte, apoiando Vítor Emanuel da casa de Sabóia. É exactamente nessa transição de uma velha ordem para uma nova que se desenrola o romance de Tomasi di Lampedusa.
Um ambiente repleto de saudosismo, do velho, que se ia, mas, ao mesmo tempo, da astúcia daqueles que percebiam a necessidade de se adequar à nova ordem de valores, para assim sobreviver aos ventos da mudança. A par de uma evidente decadência da nobreza, emergia uma nova classe, endinheirada, destituída de sangue azul, mas ávida de o obter por qualquer meio. Agiotas, banqueiros, especuladores ou, simplesmente, grandes industriais que enriqueciam misteriosamente de um momento para o outro. A ambição deste tipo social esbarra, porém, com o conservadorismo dos Leões e dos Leopardos que vão precisar , ainda, de algumas gerações antes de os considerarem como iguais. O Leopardo era o animal que figurava no brasão do Palácio Donnafugata, onde habitava uma família símbolo da nobreza decadente e apegada às tradições: os Salinas. Chefiava o clã o príncipe Fabrício de Salina, marido de Stella, uma mulher de moral quase vitoriana, muito arreigada às tradições.Estas características da personalidade da esposa de Don Fabrício reflectiram-se , ao longo dos anos, no relacionamento do casal. Para o marido, a mulher era “prepotente e antiquada […]" tive sete filhos com ela, sete; e nunca vi o seu umbigo”.
Inteligente, dotado de espírito científico, Don Fabrício era o símbolo maior daquela nobreza falida, impotente ante as mudanças trazidas pela revolução,. Fabrício era consciente de que a monarquia trazia “os sinais da morte no rosto”.
Igual clareza da decadência da nobreza e do surgimento de uma nova ordem em gestação tinha também a personagem mais astuta do romance de Lampedusa: Tancredi, sobrinho de Don Fabrício.
A astúcia de Tancredi fê-lo entender a necessidade de sobrevivência numa nova realidade. “Se nós não estivermos presentes [na revolução], eles introduzem a República. Se queremos que tudo continue como está, é preciso que tudo mude. Fui claro?” Certamente, em torno dessa contradição,  centra-se o ponto alto da obra  de Tomasi de Lampedusa. Uma contradição percebida pelo astuto Tancredi e logo assimilada pela inteligência e racionalidade de Don Fabrício como : "É preciso que as coisas mudem de lugar para que permaneçam onde estão"!
A própria história da ilha, marcada por sucessivas invasões de todos os quadrantes do Mediterrâneo, tem como consequência o desenvolvimento de um sentimento colectivo de indiferença por quem se encontra no poder!
O Leopardo é um romance que se tornou uma das grandes obras da Literatura Universal.

Ao domingo, este espaço é dedicado à   Música . Este grande intróito  foi tecido apenas para a trazer. Todos nós sabemos que o cinema frequenta os livros. Muita da sua matéria e inspiração vem deles. Grandes filmes e excelentes séries emergiram  de magníficas adaptações de obras escritas por talentosos escritores.
Estreou , neste ano de 2025, uma minissérie produzida pela Netflix, em seis episódios , que faz a adaptação do romance de Tomasi di Lampedusa, «O Leopardo» . 
Foi, com deleite reforçado, que a procurei e visionei porque tinha lido o livro. Conhecia já a adaptação em filme ,que ganhou a Palma de Ouro, do festival de Cannes, em 1963 pelo cineasta italiano Luchino Visconti, com os artistas Alain Delon, Burt Lancaster e Claudia Cardinale.
A direcção da minissérie  vem assinada por Tom Shankland, Giuseppe Capotondi e Laura Luchetti. O elenco de “O Leopardo” destaca Kim Rossi Stuart, no papel de Don Fabrício, Benedetta Porcaroli , como Concetta, Deva Cassel interpreta Angelica e Saul Nanni como Tancredi.
A banda sonora , que acompanha esta série de 2025,  é do compositor e maestro  Paolo Buonvino. Tem peças  de intensa  musicalidade  que nos envolvem e tocam  de imediato .  São elas,  pois  , a escolha musical  deste domingo  .

Spunta lu suli , ( da banda sonora da minissérie  "O Leopardo", composição de Paolo Buonvino),   na voz de Simona Di Gregorio, acompanhada pela  Orchestra - Roma Sinfonietta, sob a direcção do Maestro Paolo Buonvino.

   
L'incanto sospeso, ( da banda sonora da minissérie  "O Leopardo", composição de  Paolo Buonvino), na voz de Simona Di Gregorioacompanhada pela  Orchestra - Roma Sinfonietta, sob a direcção do Maestro Paolo Buonvino. 
 
Lettere dal fronte( da banda sonora da minissérie  "O Leopardo", composição de Paolo Buonvino), pelo Coro Cappella Musicale Lauretana, acompanhado pela  Orchestra - Roma Sinfonietta, sob a direcção do Maestro  Paolo Buonvino. 
 
Si Fussi  ( da banda sonora da minissérie  "O Leopardo", composição de  Paolo Buonvino), na voz de Simona Di Gregorioacompanhada pela  Orchestra - Roma Sinfonietta, sob a direcção do Maestro Paolo Buonvino. 

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